Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Pouco crescimento, muitos juros, os males do Brasil são

Ajuste fiscal não passou nem perto de estabilizar a razão dívida-PIB

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Segundo reportagem publicada no jornal The New York Times na sexta-feira (15), o aumento da dívida do governo federal americano para um recorde de US$ 22 trilhões na semana passada não tem causado preocupação no governo de Donald Trump, que, além de cortar impostos para corporações, agora decretou estado de emergência para gastar com a construção do muro na fronteira com o México.

Mas, de acordo com a publicação, por razões distintas, os democratas também não estariam muito alarmados com a dívida maior.

Fachada da sede do Banco Central
Fachada da sede do Banco Central - Fátima Meira - 7.jul.17/Futura Press/Folhapress

Em discurso na American Economic Association, em janeiro deste ano, Olivier Blanchard, professor emérito do MIT e ex-economista-chefe do FMI, esquentou o debate americano ao defender que o alto patamar da dívida pública dos EUA não é necessariamente um mal a ser combatido.

No artigo que serviu de base para a sua apresentação, Blanchard mostrou, entre outras coisas, que os custos fiscais da dívida podem não existir se a taxa de juros que incide sobre ela for menor do que a taxa de crescimento da economia. 

Sob essas condições, que foram satisfeitas pela economia americana nos últimos 150 anos (com exceção da década de 1980, em que Paul Volcker elevou a taxa de juros substancialmente), a razão dívida-PIB tende a se estabilizar mesmo sem a elevação de impostos no futuro.

Em um policy brief publicado em fevereiro pelo Peterson Institute for International Economics, Blanchard respondeu a alguns de seus críticos e enfatizou que um aumento do endividamento só seria justificável nos casos em que há insuficiência de demanda privada e a taxa de juros é muito baixa ou quando deriva do financiamento de projetos públicos de infraestrutura, cuja taxa de retorno social é maior do que a taxa de juros. 

O economista conclui que gastar com medidas para mitigar o aquecimento global, por exemplo —na linha do que foi proposto por congressistas do Partido Democrata no chamado Green New Deal—, pode se enquadrar nesse último caso, justificando o uso da dívida como forma de financiamento.

O mesmo não valeria, por exemplo, para o corte de impostos para corporações promovido por Trump.

No entanto, embora critique as políticas de austeridade fiscal que vêm se concentrando justamente nos cortes de investimentos públicos, Blanchard deixou claro que o cenário não necessariamente é o mesmo para todos os países —no caso grego, por exemplo, o economista considera que a “relutância dos investidores estrangeiros em reter dívida sob qualquer preço não deixou muita opção”.

No caso brasileiro, a taxa de juros implícita sobre a dívida líquida do setor público rodou, em média, 3,9 pontos percentuais acima da taxa de crescimento nominal do PIB entre 2002 e 2014.

Por essa razão, ao contrário das economias de países ricos analisadas por Blanchard, a razão dívida-PIB só caiu quando o país realizou superávits primários. 

Embora muito celebrada, a queda na taxa básica de juros nos últimos anos veio justamente como consequência do baixo crescimento, que contribuiu para reduzir a taxa de inflação.

Assim, no biênio 2017- 2018, nosso cachorro correu atrás do próprio rabo: a taxa de juros que incide sobre a dívida bruta do governo geral caiu para o seu menor patamar, mas ainda ficou, em média, 4,8 pontos percentuais acima da taxa de crescimento nominal da economia.

Não à toa, o ajuste fiscal iniciado em 2015, que atingiu desproporcionalmente os investimentos públicos de alto retorno social e elevado efeito multiplicador sobre a renda e o emprego, não passou nem perto de estabilizar a razão dívida-PIB. Pouco crescimento, muitos juros, os males do Brasil são.
 


 


 


 


 


 

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