Laura Müller Machado

Mestre em Economia Aplicada pela USP, é professora do Insper e foi secretária de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo

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Por que não convivemos com mulheres relaxadas?

Como diria Nicola Hobbs, não tenho certeza se conheço uma só mulher que se permita relaxar sem culpa

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"Não convivi com mulheres relaxadas. Mulheres de sucesso? Sim. Mulheres produtivas? Muitas. Ansiosas? Várias. Mas mulheres relaxadas, sem medo de ocupar espaço no mundo? Mulheres que se permitem relaxar sem sensação de culpa? Não tenho certeza se já conheci uma mulher assim", escreveu a autora e consultora britânica Nicola Jane Hobbs.

As explicações desse estado de tensão são muitas. Foquemos em uma delas: a divisão das tarefas domésticas entre homens e mulheres.

Ainda que a liberdade de escolha sobre direitos reprodutivos das mulheres tenha avançado, o que se observa é que, na média, elas trabalham significativamente mais do que homens
Ainda que a liberdade de escolha sobre direitos reprodutivos das mulheres tenha avançado, o que se observa é que, na média, elas trabalham significativamente mais do que homens - Aysia/Adobe Stock

Espera-se de todos os adultos que trabalham para garantir sua renda cuidem dos seus respectivos lares e famílias. Dentro de cada família, acordos, tácitos ou não, são feitos para a segmentação dessas tarefas. Tais contratos certamente são influenciados, e muito, por expectativas sociais, preferências individuais e respostas aos incentivos do mercado de trabalho.

Em 2024, com a intensificação da discussão da equidade de gênero, onde estamos? Qual é o retrato atual das escolhas de casais jovens em relação à divisão de tempo para afazeres domésticos e o trabalho econômico?

Considerei casais entre 25 e 44 anos por esses estarem mais expostos e potencialmente influenciados pelo debate sobre a desigualdade de gênero. Ainda que as normas e a liberdade de escolha sobre direitos reprodutivos das mulheres tenham avançado, o que se observa é que, na média, elas trabalham significativamente mais do que eles.

De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2022, analisando apenas casais heterossexuais em que ambos trabalham, o retrato da divisão de tempo entre trabalho econômico e doméstico é bem desigual: somando o tempo entre os dois tipos de atividade, mulheres trabalham, em média, em torno de 58 horas semanais, 6% a mais do que homens, com 55 horas.

As mulheres trabalham 39 horas em trabalho econômico, enquanto os homens, 44 horas. Na divisão de tarefas domésticas, elas assumem 19 horas semanais, enquanto os homens, 11 horas.

Chama a atenção o fato de que, tratando-se das horas dedicadas às tarefas domésticas, as mulheres alocam o dobro de tempo: um dia de trabalho a mais por semana, 8 horas.

Considerando a natureza diferente das atividades, é de se esperar que gerenciar os dois trabalhos envolva um grau de complexidade. Portanto, não surpreende que a divisão desigual tenha efeitos emocionais, sobrecarga de trabalho e gere estresse, além de uma sensação de injustiça, principalmente pelo diagnóstico se dar entre casais jovens.

Para a política pública, as implicações são muitas. Uma saída, mas não a única, é a sinalização vinda do mercado de trabalho e do governo de que mulheres são tão valorizadas e bem-vindas quanto os homens em termos de salários e de ocupação de cargos de liderança.

Com essa sinalização clara, os casais podem alocar o tempo em afazeres domésticos em igualdade de condição em relação ao mercado de trabalho.

Políticas de transparência pública das empresas em relação às suas decisões, classificadas por gênero, sobre salários e promoções também apresentam grande potencial. A prática permitiria que a sociedade avaliasse se dá as condições que deseja ver no mercado.

Sem dúvida, o primeiro e segundo escalão de governo federal, o de maior visibilidade no país, com 9 mulheres em 38 ministérios, mantém o status quo e reitera a mensagem às famílias: o presidente da República, seus aliados de base e o mercado de trabalho ainda não enxergam que somos competitivas com nossos colegas do sexo masculino. Esse cenário de injustiça não tem nada de relaxante.

Concordo com Hobbs, fundadora do "The Relaxed Woman" ("A Mulher Relaxada", uma consultoria dedicada ao público feminino). Não tenho certeza se já conheci mulheres que se dão permissão para relaxar sem se sentirem culpadas, mas eu gostaria de me tornar uma. Gostaria que todas nós conseguíssemos.

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