Janeiro de 2021. No primeiro dia de governo, Joe Biden anuncia o fim do subsídio a combustíveis fósseis e de novas concessões para perfurações de óleo e gás em terras federais. Também cancela a autorização das obras do Keystone XL, um oleoduto que transportaria do Canadá para os Estados Unidos o equivalente a 830 mil barris de petróleo por dia.
Junho de 2022. Com a guerra da Ucrânia, o preço da gasolina sobe mais de 50% nos postos americanos. A inflação é a maior em 40 anos. Biden propõe ao Congresso uma espécie de subsídio para combustíveis fósseis – suspender por três meses os impostos federais sobre a gasolina e o diesel – e implora para que os governadores façam o mesmo.
Enquanto especialistas pensam em reavivar as obras do oleoduto com o Canadá, os EUA aumentam a importação de petróleo do México transportado por navios-tanque (muito mais poluentes que oleodutos).
O tribunal decidiu ontem que cabe ao Congresso, e não à EPA, a agência federal de proteção ambiental, impor limites de emissões de poluentes em usinas de produção de energia.
Mais cedo ou mais tarde a "bigorna da realidade", como dizia Roberto Campos, esmaga o voluntarismo. Políticos e ambientalistas podem até acreditar que sua vontade é suficiente para mudar o curso dos acontecimentos, mas uma hora a conta chega.
De repente ficou claro que, para lidar com crise climática sem gerar crises econômicas ou deixar o país vulnerável a ditadores, é mais prudente focar em reduzir a demanda de combustíveis fósseis. E não a oferta.
E que não é muito sensato, em termos de segurança energética, um presidente desdenhar um oleoduto que forneceria sozinho aos Estados Unidos o equivalente a 4% de seu consumo diário de petróleo (ou cerca de um terço da produção da Petrobras).
Também ficou evidente uma certa hipocrisia dos países do G7. No ano passado, eles decidiram cortar o investimento público de projetos de combustíveis fósseis em países em desenvolvimento.
Mas assim que a coisa complica, a Europa e os Estados Unidos voltam a abraçar os combustíveis tradicionais. A Alemanha religou suas usinas a carvão, a Noruega quer expandir a perfuração de petróleo e gás no Ártico, o governo Reino Unido quer mais perfurações no Mar do Norte.
O presidente de Botsuana disse que a Europa "inundou" seu país com encomendas de carvão mineral, e que por isso deve dobrar as exportações.
Se os países do G7 enriqueceram à base de combustível barato e confiável, e se até mesmo eles custam a migrar para energias limpas, não é um tanto hipócrita puxar a escada e dificultar que países pobres tomem esse caminho?
Essa contradição ficou clara na reunião do G7 desta semana. A cúpula flexibilizou, em caráter emergencial, a regra de não investir em projetos de gás.
"Na situação atual, há necessidades de curto prazo que exigirão grandes investimentos em infraestrutura de gás para países em desenvolvimento", admitiu o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi.
Quando o calo aperta, os discursos bonitos desaparecem. E o pragmatismo volta a reinar.
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