Um dos traços mais esquisitos da natureza humana é a paixão por ideias –por crenças, regras morais, ideologias e opiniões políticas ou religiosas.
Em nome de ideias, humanos brigam, perdem amigos, passam noites insones, discutem na ceia de Natal, se estapeiam, matam, praticam genocídios.
O assassinato de um petista por um bolsonarista em Foz do Iguaçu, na noite do último sábado, é mais um caso de uma sequência milenar de mortes motivadas pelo antagonismo ideológico.
Talvez devêssemos tratar crenças sem o menor apego, mudando de partido político, religião ou ideologia tão logo alguém nos oferecesse argumentos melhores. Em vez disso, consideramos fútil e sem consistência a pessoa que troca de ideias como de gravata.
Temos uma relação esquisita com esses conjuntos de pensamentos. Crenças são invisíveis, abstratas, mas as tratamos "como posses", como afirmou o psicólogo e cientista político Robert Abelson.
Ou como crianças com seus ursinhos de pelúcia. Se você disser a uma criança que o ursinho dela está velho e encardido, ela toma a ofensa para si e se agarra ainda mais a ele.
Diversos estudos mostraram que a tentativa de convencer as pessoas a mudar uma opinião em geral sai pela culatra. Elas correm relembrar argumentos para se proteger da ameaça: agarram-se ainda mais a suas opiniões.
Pior ainda, humanos matam em nome de ideias. "Em si mesma, toda ideia é neutra ou deveria sê-lo, mas o homem projeta nela suas chamas e suas demências", escreveu o filósofo Emil Cioran.
Se o homem é o "animal racional", se a razão e transmissão de conhecimento servem para facilitar a nossa sobrevivência, por que a evolução ainda não eliminou aqueles que mostram essa persistência incorrigível por crenças que muitas vezes não fazem o menor sentido?
Talvez porque visões de mundo e opiniões políticas não sirvam tanto para aferir a realidade com precisão, mas para criar identidade social.
Humanos são primatas hipercooperativos mas sectários: a cooperação dentro do grupo acompanha o antagonismo a grupos adversários. Tendemos a nos dividir em comunidades morais que se distinguem por crenças, ideologias, regras, línguas, símbolos, modos de falar, vestir e comer.
Se a função evolutiva é essa, não importa muito se a crença lida com a verdade: o que a torna duradoura é a sua capacidade de destacar uma comunidade das outras e fornecer aos integrantes uma sensação de pertencimento.
É razoável acreditar que, ao longo da nossa história evolutiva, os indivíduos mais suscetíveis a se apaixonar por crenças compartilhadas tinham uma vida social mais rica. O blasé que não acreditava em nada ficava em casa sozinho, enquanto o seguidor fiel fazia amigos (e amigas) em cultos e reuniões.
Mas esse apego a crenças coletivas tem um lado negro –a violência contra crenças adversárias. Assim é possível começar a entender por que um homem adulto desperdiçaria uma noite de sábado para invadir uma festa alheia e matar em nome de diferenças políticas.
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