Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Deveríamos sacrificar a igualdade de tratamento em nome da igualdade de resultados?

Novos ativistas se opõem a Martin Luther King ao defender a inclusão compulsória proposta pela B3

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A B3 encerra nesta sexta-feira (16) uma consulta pública sobre a proposta de exigir que as empresas listadas tenham ao menos uma mulher e um representante de minorias no conselho administrativo. Ativistas identitários defendem em coro a medida, o que revela a mudança de suas reivindicações nos últimos anos.

Há menos de uma década, ainda valia o objetivo do célebre Martin Luther King, para quem era preciso lutar por igualdade de tratamento e de oportunidades —por uma nação onde as pessoas "não sejam julgadas pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter".

Painel da B3, que abriu consulta pública sobre representatividade - Karime Xavier - 6.set.22/Folhapress

Os testes cegos eram então a reivindicação mais comum de feministas e ativistas do movimento negro. Para garantir a igualdade de tratamento, defendiam-se análises de currículo que não revelassem o gênero ou a etnia dos candidatos e audições para orquestras com uma tela entre o avaliador e o avaliado, para que o primeiro não pudesse favorecer homens brancos.

De repente, porém, a posição do ativismo clássico perdeu seguidores. Ativistas agora rejeitam a contratação cega. Dizem que é sim preciso julgar com base no gênero e na cor de pele —e consideram "de direita" quem defende, como fazia Martin Luther King, a igualdade de tratamento, e não a igualdade compulsória de resultados.

A meta de igualdade estatística se baseia na ideia de que toda e qualquer desigualdade é fruto de discriminação. Boa parte da imprensa vai mais longe: considera apressadamente que a disparidade de resultado é em si mesma uma prova de preconceito.

Mas como o economista Thomas Sowell dedicou a vida a mostrar, muitas outras coisas podem explicar a maior ou menor representação de um grupo num ambiente.

Pessoas e grupos diferentes têm interesses, origens culturais, tendências, pressão dos pares, preferências e experiências educacionais diferentes. Então é esperado que tenham resultados diversos (e até seria estranho se fossem iguais em tudo).

Evangélicos, por exemplo, são 31% da população brasileira, mas estão provavelmente sub-representados em conselhos de administração de empresas, Redações de jornal e eventos de faculdades de direito.

Deveria a B3 tornar obrigatória a participação de pelo menos um evangélico em conselhos administrativos? A Folha deveria ser acusada de preconceito estrutural contra evangélicos se constatar que esse grupo está sub-representado na Redação?

Acredito que não, pois há muitas outras possíveis causas para a sub-representação de pentecostais e neopentecostais no jornal. Eles têm em média menor escolaridade e menor presença em boas faculdades relacionadas ao jornalismo. Afirmar isso não é culpar a vítima, e sim tentar entender a origem da disparidade —o primeiro passo a ser tomado por quem quer revertê-la.

O fato de uma empresa não ser um espelho da população geral não significa necessariamente que isso ocorre por discriminação. Talvez ocorra, e por isso é bom investigar possíveis vieses e hostilidades, mas nem sempre é o caso.

Um bom exemplo aqui é a participação das mulheres na política e no comando de grandes empresas.

Uma revisão de estudos publicada pela economista Marianne Bertrand revelou que mulheres de culturas diversas tendem a fazer escolhas mais seguras de trabalho e remuneração, enquanto homens em média preferem atividades mais competitivas, com maior risco e retorno. Por isso há mais homens na política – e também nos presídios.

Outro estudo, da cientista política Marta Fraile, mostrou que a diferença de interesse em política não diminui —na verdade, aumenta bastante com a escolarização. Entre quem tem curso superior, as mulheres ficam 37 pontos percentuais abaixo dos homens no interesse por política.

E a socióloga Catherine Hakim, da London School of Economics, descobriu que, depois de atingir um certo nível de carreira e patrimônio, cerca de 60% das mulheres se dão ao direito de escolher trabalhos menos estressantes, com menor carga horária e mais possibilidade de acompanhar o crescimento dos filhos.

Em nome da igualdade estatística no comando de grandes empresas, deveríamos restringir a liberdade das mulheres tomarem essa decisão? Claro que não.

O machismo deve ajudar a explicar por que há menos mulheres na política e na direção de empresas. Além dele, há preferências e escolhas livres que a regra em discussão na B3 dificilmente conseguirá mudar.

Discordar da proposta da B3 não significa ser indiferente à discriminação e a desigualdades. Mas focar nas verdadeiras causas —e preservar a igualdade de tratamento essencial à concepção popular de justiça.

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