Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Ativistas identitários deveriam ser os primeiros a defender o pluralismo

Minorias e grupos discriminados são os mais prejudicados pelo fim da liberdade de expressão e de pensamento

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A oposição entre minorias e liberdade de expressão vem ganhando força no debate público. Boa parte dos apedrejamentos virtuais recentes se organizou em duas trincheiras: de um lado, ativistas e simpatizantes de causas identitárias; de outro, defensores da liberdade de expressão e do pluralismo.

Na verdade, quem mais precisa de liberdade de expressão e de pensamento são as minorias e os grupos discriminados. São os gays, os negros, os transexuais e as mulheres os mais prejudicados pelo clima de perseguição politicamente correta que tenta calar ou demitir dissidentes.

Se não há liberdade de pensamento, a roda de conjecturas e refutações da ciência trava. Discordar de algumas teses sobre problemas sociais se torna perigoso demais.

Manifestantes do Black Lives Matter, nos Estados Unidos - Kerem Yucel - 24.fev.22/AFP

Sem escrutínio, ideias ruins prosperam e inspiram políticas públicas equivocadas, enquanto bons diagnósticos são ignorados.

Não há exemplo melhor sobre isso que a história do Relatório Moynihan.

No começo dos anos 1960, o sociólogo americano Daniel Moynihan, a serviço do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, foi encarregado de entender por que os pedidos de assistência social aumentavam entre famílias negras enquanto o desemprego dos homens negros diminuía.

As retas, que deveriam ser paralelas, formavam um gráfico em forma de tesoura –a "tesoura de Moynihan".

O sociólogo foi a campo e percebeu que as famílias negras passavam por um intenso processo de desestruturação. O número de crianças criadas por mães solteiras aumentava continuamente.

No relatório de 1965, Moynihan concluiu que a falta da figura paterna estava relacionada a um "emaranhado de patologias": menos conquistas escolares, mais criminalidade, abuso de drogas e desemprego.

Apesar do relatório ser confidencial, a imprensa o descobriu —e assim começou o cancelamento de Daniel Moynihan.

Feministas o acusaram de ser um machista que menosprezava a capacidade das mulheres de criar os filhos. Ativistas negros disseram que o governo tentava negar os efeitos nefastos do racismo e da escravidão.

A própria expressão "culpar a vítima" surgiu do livro "Blaming the Victim", de 1972, uma crítica a Moynihan. Na verdade, o sociólogo não estava preocupado em atribuir culpa ou dar discursos moralistas em defesa da família, mas entender o problema para ser capaz de resolvê-lo.

Com a histeria contra o estudo, seu diagnóstico foi ignorado e o problema continuou. O número de crianças negras americanas que cresceram sem a figura paterna passou de 24% em 1965 para 64% em 1990.

Décadas depois da publicação, dezenas de estudos comprovaram o que Moynihan afirmou: em todas as etnias, a falta da figura paterna está relacionada a diversas patologias sociais. Como diz Glenn Loury, primeiro negro a se tornar professor titular de economia de Harvard, "Moynihan estava certo".

Esse caso mostra que, para o bem das minorias, é preciso agir com maturidade quando informações contrariam ativistas.

Considere, por exemplo, a seguinte afirmação (hipotética): "Estudo conclui que um dos fatores a explicar a desigualdade salarial de gênero é o fato de as mulheres terem mais medo de negociar salários".

Uma reação madura a essa afirmação mostraria falhas do estudo ou o aceitaria: "Se é verdade que as mulheres têm mais aversão ao risco, e isso as impede de negociar melhores salários, precisamos criar ações para que esse viés deixe de prejudicá-las".

Já uma reação imatura, típica do Twitter, consistiria em indignação canceladora: "Senti repulsa. O autor está culpando a vítima, dizendo que as mulheres são culpadas por ganharem menos. É típico de homens desprezarem a dor feminina divulgando pesquisas como essa".

A primeira reação contribui para o debate e para a abordagem do problema. A segunda faz seu autor parecer mais comprometido com a causa da igualdade salarial, mas prejudica o ambiente de liberdade de pensamento.

Um último exemplo. No ano passado, funcionários da Amazon organizaram um protesto exigindo que a empresa retirasse do catálogo o livro "Irreversible Damage", que conta centenas de histórias de jovens que se arrependeram de fazer bloqueio hormonal e cirurgias de mudança de sexo.

Ninguém parou para discutir o argumento da autora, para quem intervenções médicas mais prejudicam que ajudam.

Se o livro fosse banido, não seriam os homens brancos heterossexuais os mais prejudicados pela falta de informação. Mas os jovens que enfrentam indefinições de gênero.

Quando ativistas contribuem para criar um ambiente de perseguição, e não de liberdade de pensamento, acabam prejudicando os próprios grupos que dizem defender.

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