Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Trump pode ser uma oportunidade

Governo dos EUA quer retomar vantagens, mas não se recomenda que distribua as cartas só

O presidente dos EUA, Donald Trump, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça
O presidente dos EUA, Donald Trump, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça - Carlos Barria/Reuters

O centro de convenções em Davos que abriga a reunião anual do Fórum Econômico Mundial não esconde que ali se movimenta a engrenagem financeira mundial, convidando a um exercício fascinante de taxonomia daqueles que a acionam. O que só as edições mais recentes do evento tornam explícita, porém, é a vocação política do encontro.

Seria ótima a aparição de mais um fórum global, uma praça para buscar soluções conjuntas, se ela não fosse o sintoma mais óbvio de um problema alarmante: como está, o sistema multilateral desenhado após a Segunda Guerra (1939-45), em um mundo polarizado em dois blocos, pouco serve para este século.

Enquanto instituições mastodônticas como as Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio perdem relevância presas a sistemas de negociação que ou só alimentam a cacofonia em sua busca infrutífera por unanimidade ou refletem uma divisão de poder cega a três décadas de evolução geopolítica, os corredores de Davos oferecem respostas. Paliativas, decerto, mas rápidas e factíveis —apelo irresistível nesses tempos.

Não à toa, o encontro em janeiro no resort suíço tornou-se uma vitrine cobiçada na qual 70 chefes de Estado e governo disputaram espaço para vender o potencial de seus países para investimentos —número inédito para o evento.

Como ali não há regras a seguir nem consenso a buscar (na essência ainda é um grande encontro de negócios), cada um joga como quer, o que raramente ajuda a construir o tal "futuro compartilhado em um mundo dividido" que a organização escolheu como mote.

É possível que essa erosão do sistema multilateral seja produto da ascensão, na pista ao lado, de líderes nacionalistas, sendo o americano Donald Trump o exemplo estridente.

Mas também é forçoso pensar se a relação causa-efeito não é a oposta: os trumps da vida, os acordos fechados por poucas partes e os modelos de negociação amparados no blefe e na ameaça seriam, assim, efeito do anacronismo que trava as organizações globais.

Nos discursos que líderes de países emergentes e potências regionais proferem nesses eventos, é praxe há anos o apelo à reforma do sistema caduco, a fim de ganharem peso.

A novidade é que, com seu líder voluntarista, os EUA estão agora no mesmo ímpeto, o que era impensável. Céticos quanto ao funcionamento das organizações que eles mesmos moldaram, os americanos passaram a pedir novas regras.

O propósito do governo americano é retomar vantagens. Não se recomenda, portanto, que distribua as cartas sozinho. Para participantes dos encontros com a delegação americana na Suíça, contudo, Trump pode ser a brecha de oportunidade para redesenhar o sistema e tirá-lo da decrepitude.

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