David Simon encravou seu nome na segunda era de ouro da TV com "A Escuta" (2002-08), possivelmente a melhor série policial já realizada, e estendeu seu currículo de roteirista e produtor com algumas outras boas obras como "The Deuce" e "Show me a Hero", ambas da década passada, sempre na HBO.
Sua matéria-prima, em todos os casos, são as ruas decadentes das metrópoles americanas e sua fauna de personagens marginalizados e agentes da lei, um objeto de interesse desde que ele era repórter policial em Baltimore, a mesma cidade que serve de cenário para sua série mais famosa.
A 65 km de Washington, a capital do país, essa metrópole costeira tem uma peculiaridade em relação ao restante dos EUA: 2 de cada 3 habitantes são negros, segundo o Censo mais recente.
Dessa experiência jornalística Simon trouxe dois traços que se tornaram a marca de seus roteiros e a eles imprimiram um grau de realismo raramente atingido: a atenção a tipos complexos e uma aversão ao maniqueísmo visto em muitas das produções sobre policiais, bandidos e policiais-bandidos.
É sobre essa última categoria que ele se debruça em "A Cidade é Nossa" ("We Own this City"), uma minissérie que está no catálogo da HBO Max desde maio a respeito da corrupção no departamento de polícia de Baltimore.
A cidade que encontramos desta vez é contemporânea, quase, e está na ebulição dos protestos contra a violência policial racial que se tornou tema corrente nos Estados Unidos e no Brasil nos últimos anos (não que ela fosse nova).
Em um dos episódios eclode o caso Freddie Gray, quando um rapaz negro teve o pescoço quebrado pela polícia em uma viatura, para a qual havia sido levado por supostamente carregar um canivete (não era), e as investigações se arrastaram sem resposta.
Os personagens também são reais, os integrante da GTTF (força-tarefa de rastreamento de armas), protagonistas daquele que é considerado o maior escândalo da polícia local, com 13 agentes denunciados por extorsão, roubo e venda de drogas, fraude trabalhista e acobertamento. Na batuta estava o sargento Wayne Jenkins (Jon Bernthal), outrora astro da equipe, que hoje cumpre 25 anos de prisão.
Simon, com o produtor George Pelecanos, reconta essa história com crueza e distanciamento jornalístico.
Sua polícia não é de vilões, tampouco de heróis, ainda que a cidade esteja pagando indenizações e investindo em retreinar suas forças.
De tudo de sinistro que "A Cidade é Nossa" reconta, assusta o acobertamento que perdurou anos, como no caso de Daniel Hersl (papel de Josh Charles, que conjura aqui toda a antipatia). Sujeito racista, arrogante e brutal, só foi punido após a eclosão do escândalo apesar de ter acumulado dezenas de queixas de conduta -hoje cumpre pena de 18 anos.
É um cenário tristemente conhecido por muitos espectadores brasileiros. Em todo caso, se a dose de realidade for demais, há dragões e hobitts por aí com que se distrair.
Os seis episódios de "A Cidade é Nossa" estão disponíveis na HBO Max
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