Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

Contra diferenças, temos um cérebro humanamente preconceituoso

Julgamento está fixado como presente hereditário, mas pode ser modificado com contato com a diversidade

Os ataques virtuais contra nordestinos na disputa eleitoral recente. Brasileiros, movidos por boatos, entram em conflito com imigrantes venezuelanos em Pacaraima (RR). Venezuelanos homossexuais sofrem preconceito de compatriotas em abrigos de refugiados.

Esses são alguns exemplos do que chamamos de preconceito, que quer dizer juízo pré-concebido.

Há milhares de anos, esse rápido julgamento pode ter sido útil, quando grupos de humanos pré-históricos afastavam forasteiros eventualmente hostis e, assim, garantiam a sobrevivência. Por outro lado, a cooperação também podia ser vantajosa. Um certo equilíbrio entre preconceito e empatia ajudou o homem a desenvolver comunidades cada vez mais complexas.

De toda forma, o preconceito esteve adiante de eventos desastrosos na história, com consequências catastróficas. E continua lá, fixado em nosso cérebro, como um presente hereditário.

Nosso encéfalo reconhece padrões e faz inferências quase o tempo inteiro. Escutou um barulho de freadas e uma pancada? Reconhecemos o padrão sonoro e inferimos que ocorreu um acidente.

A gênese cerebral do preconceito requer exatamente isso: o reconhecimento de padrões e inferências. Percebo que aquela pessoa não é de meu grupo e eu reajo. Essa reação reflete preferências ou antipatias, potencializadas por fortes emoções como amor, ódio, medo e nojo.

Hoje, é possível estudar áreas cerebrais vinculadas ao preconceito. O psicólogo David Amodio revisou esses estudos e dissecou esse sentimento. Tento agora resumir parte de suas conclusões, sem simplificar demais.

A amígdala cerebral, uma espécie de central de emoções, é ativada ao vermos uma pessoa de raça ou classe diferente. Como um alarme, sinaliza às outras áreas encefálicas a necessidade do aumento da atenção e, eventualmente, uma reação. A amígdala também condiciona comportamentos incluindo o medo preconceituoso.

É interessante notar que a convivência com pessoas de grupos diferentes reduz a atividade amigdaliana frente a novos estranhos. Ou seja, expor-se à diversidade pode reduzir o preconceito.

Nosso lobo frontal monitora movimentos e padrões sociais e tem o papel de avaliar outras pessoas —fica, inclusive, mais ativo quando vê membros de grupos estimados. Essa parte cerebral ainda faz julgamentos, baseada em dados de memória, mas tais dados podem se referir a algo que alguém disse e você acreditou.

E a emotiva amígdala modula o funcionamento do lobo frontal em suas análises de comportamentos sociais. Essa seria a razão pela qual, às vezes, avaliamos negativamente o comportamento de grupos diferentes dos nossos, mesmo com base em um exame superficial.

A ínsula, outra estrutura do cérebro, por sua vez, traduz como somos afetados pelo outro. Medo e repulsa são intermediados por essa área cerebral — e também a empatia, embora uma empatia seletiva. A atividade insular é maior quando vemos um membro do nosso grupo sofrer e nem tanto se quem sofre é um estranho. Uma subdivisão se ativa quando um estranho é premiado — um suporte biológico para a inveja.

Essas estruturas cerebrais nos auxiliam a separar o “nós” dos “outros “ e a reagir contra os diferentes. Podem humanizar ou desumanizar nossos semelhantes conforme vínculos de grupo estabelecidos. Isso é a base para a criação de categorias sociais, preconceitos, estereótipos, conflitos e, em casos extremos, guerras e genocídios.  

Mas tenho uma boa nova: guiado por valores pessoais e condicionamentos socioculturais, nosso cérebro consegue regular seus próprios processos que conduziriam a ações inaceitáveis. Por meio de controle cognitivo, conseguimos, por vezes, mitigar todo este movimento cerebral contra o outro.

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