Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

As esquisitices históricas da hipnose clínica e a boa ciência

Uma pesquisa nova publicada em revista de prestígio mostrou benefícios da sugestão hipnótica

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A saga da hipnose é feita de contos surpreendentes e controversos. Por exemplo, Rasputin, teria utilizado hipnose para controlar o sangramento do filho hemofílico do último Czar Russo, Nicolau II. O transe provocado teria levado o jovem nobre a um relaxamento profundo que reduzira sua pressão arterial e estancara a hemorragia. Outra versão aponta que Rasputin havia proibido o menino de usar aspirina como analgésico. Hoje em dia, sabemos que esse medicamento favorece sangramentos.

Outro conto: Hitler, quando soldado, fora hipnotizado em tratamento contra cegueira psíquica, um trauma adquirido na Primeira Guerra Mundial. Durante as sessões de hipnotismo, Hitler teria escutado palavras como: “Alemanha precisa de homens como você…”, "Para você tudo é possível!, “Se você confiar cegamente nessa missão, sua cegueira desaparecerá!”. Anos depois a visão de Hitler estava curada, e quem ficou cega foi a Alemanha.

Espiral hipnótica
Hipnose já estava presente em papiros egípcios - Creative Commons

Mas a hipnose é mais antiga do que esses personagens históricos. Já se fazia presente em papiros egípcios, quando no século 18 surgiu a primeira teoria sobre o que, em breve, seria reconhecido como hipnose. Foi o médico Franz Mesmer, na França, quem afirmou que uma pessoa poderia curar outra ao emanar uma energia fluida chamada de “magnetismo animal”. Através de movimentos de mãos e outras artimanhas, o médico levava aflitos ao transe e promovia suas ditas curas durante catarses coletivas. 

O sucesso foi estrondoso, e o magnetismo animal atraiu muitos discípulos. Alguns ficaram famosos, como Allan Kardec, grande propagador da doutrina espírita, e James Braid, o cirurgião que cunhou o termo hipnose. Braid, futuramente, desdenharia de Mesmer: o magnetismo era mera encenação, e o transe surgia porque as pessoas se concentravam em uma única ideia.

Não tardou para a corte francesa desconfiar de que haveria charlatanismo em seu domínio e criar uma comissão investigativa. Lavoisier, Guillotin e Benjamin Franklin eram membros desta força-tarefa, que acabou por concluir que o tal magnetismo era uma fraude baseada em sugestões. Mesmer virou objeto de sátiras.

O abade Faria, conhecedor da obra de Mesmer, continuou a estudar hipnose e acabou percebendo que as manobras ritualísticas do magnetismo eram desnecessárias para induzir o transe. O religioso fez a inovação em requisitar aos seus pacientes que fechassem os olhos e focassem a atenção ao sono. Em um dado momento, ele dizia uma única palavra: “durma”. E então havia o transe. Faria concluiu que o magnetismo animal não existia, e a hipnose curava por ativar uma força mental.

A ideia do Abade influenciou a fundação da escola francesa de Nancy, no final do século 19, como centro de ensino de psicoterapia. Nessa instituição, a hipnose foi descrita como o estado que aumenta a suscetibilidade das pessoas ao poder da sugestão. E a sugestão explicava tudo em hipnose, até mesmo as anestesias hipnóticas durante cirurgias como amputações.

Era em Paris que estava o hospital Salpêtrière, sede da escola rival de Nancy. Naquela instituição, Charcot, o pai da neurologia, dizia que apenas quem sofria de sintomas psicogênicos era hipnotizável, e somente esse poderiam ser curados pela prática. Freud, um dos alunos de Charcot, se interessou muito pelo método, mas ficou desapontado com os resultados que obteve e preferiu desenvolver a psicanálise sob outras técnicas. 

O hipnotismo sobreviveu mesmo após as negações de Freud. E recentemente esteve em uma edição da revista médica Brain, da Universidade de Oxford, por meio da pesquisa da equipe do psicólogo Jonas Lindeløv. Informo a você, não neurologista,  que a Brain é para a neurologia o que a Apple é para a tecnologia.

O time de Lindeløv provou que sugestão hipnótica melhora a memória de curtíssimo prazo de pacientes que sofreram trauma crânio encefálico. Lindeløv merece destaque por ter descrito uma forma barata e simples de melhorar da função cognitiva alicerce da concentração, e claro, por ter qualificado seu experimento para as páginas de Oxford.

As sugestões utilizadas durante o transe vinham em frases estranhas como: “imagine seus neurônios e suas conexões cerebrais aumentando”. Entretanto, a desejada regeneração cerebral é inalcançável pelos métodos terapêuticos conhecidos.  A síntese é que os pesquisadores propuseram aos participantes em transe imaginar um absurdo.

Mas Lindeløv e equipe não ansiavam pela verossimilhança de suas sugestões. Sua preocupação era sugestionar os pacientes, fazê-los acreditar na melhora e depois medir o efeito prático alcançado. E nem cogitaram explicar os resultados da pesquisa através da regeneração cerebral.

Uma razão para os bons resultados de Lindeløv é que a hipnose teria sido um tipo de treino para a concentração dos participantes porque os doentes dirigiram sua atenção às sugestões, se desvencilharam de ideias contaminantes e controlaram a ansiedade. Tudo isso é fundamental para a memória de curtíssimo prazo. Por trás destes fatos, durante o transe, a recepção das sugestões revigoraria conexões cerebrais antigas que estavam silenciadas.

Boa ciência e boas histórias são sempre bem-vindas.

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