Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente câncer

O ChatGPT e a automatização da medicina

Perguntei a ele se a inteligência artificial extinguirá os médicos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O GPT (Generative Pre-training Transformer) é um produto de inteligência artificial (IA) desenvolvido pela empresa Open AI cujo objetivo é gerar textos semelhantes aos escritos por humanos. Seus algoritmos processam informações disponíveis na internet; como resultado, há a criação de qualquer tipo de conteúdo escrito, como traduções, trabalhos técnicos ou obras líricas. O ChatGPT e ́tudo isso em forma de chat, uma ferramenta para você dialogar com uma entidade computacional que habita a nuvem.

Se a máquina imita a vida (intelectual), poderá transcrever algo equivalente ao raciocínio clínico? Fui ter minha resposta. Perguntei ao modelo de IA qual seria a doença que afetava uma mulher de 65 anos, que se diz cansada e fraca, sempre pior ao anoitecer, há quase um ano. A sua pálpebra esquerda estava caída, quase cobrindo o olho. Talvez menos ao acordar, mais à tarde. Ela se sentia triste, perdera as vontades, inclusive de comer, e por isso emagreceu bastante.

Tela de celular com o logotipo do ChatGPT - Lionel Bonaventure/AFP

Admiravelmente rápido, o ChatGPT deu-me seu parecer. Em um texto muito bem organizado e preciso, acertou o diagnóstico. A mulher estava deprimida. Eu já sabia, pois tivera a oportunidade de checar os exames dela e avaliar o efeito do tratamento. A matéria fazia a importante observação de que a doença miastenia gravis deveria ser considerada como segunda hipótese. Afinal, a combalida mulher sofria de fraqueza que piorava ao anoitecer e mantinha a pálpebra caída, sintomas cardinais dessa condição médica. Mas, neste caso específico, eram fatores de confusão.

Ao saber dessa história, um amigo meu liberal diria que o "monopólio médico", frisando essa expressão, está em iminente queda. Outro amigo, favorável ao oposto espectro, afirmaria que se aproxima o momento de o trabalho humano esvaziar-se completamente de sentido, pois as máquinas farão todos os serviços.

Entretanto, eu senti a motivação de revisitar o embate de Garry Kasparov contra o Deep Blue. Realmente eu desejava verificar se ainda é possível manter a crença de que a experiência humana é inalcançável para as máquinas. Dessa forma, este ser genuinamente biológico que escreve a vocês desafiou novamente o ChatGPT, já o considerando um competidor.

Descrevi o caso de um homem de quase 60 anos que a partir de seus 40 anos desenvolvia uma lentamente progressiva incoordenação de todos os seus movimentos. Até então, a causa de seu problema, que nós chamamos genericamente de ataxia, era desconhecida. Existe uma quantidade quase incontável de doenças, geralmente raras, que levam à ataxia. Para reduzir tantas possibilidades, eu dei duas pistas à IA.

Deixei claro que o paciente possuía doença do metabolismo e não conseguia olhar para cima ou para baixo sem movimentar o pescoço. Essas duas características associadas reduzem a um punhado a vastidão de diagnósticos possíveis de ataxia. Ficou mamão com açúcar, coloquei a bola na marca do pênalti. Mesmo assim o modelo de linguagem errou, não mencionou o diagnóstico correto —a incomum doença de Niemann-Pick.

Prossegui. Algumas pessoas, por causa de transtornos psiquiátricos, mimetizam crises epilépticas. E isso é muito comum em prontos-socorros. Fatalmente, esses indivíduos repetem padrões de movimentos que denunciam não estarem, de fato, a sofrer um ataque de epilepsia. Apresentei ao programa alguns casos desse tema. Como réplica, o texto gerado qualificou minhas exposições como exemplos de convulsões, e ponto. Outro erro. Conclusão, o ChatGPT é uma ferramenta ruim para o diagnóstico.

Da minha vaidade brotou soberba. Desta linha em diante eu poderia escrever coisas do tipo: sempre haverá necessidade de habilidades humanas, como criatividade, pensamento crítico e resolução de problemas. E propositalmente ignorar todas as nossas limitações e dar de costas ao fato que os modelos de diálogo serão aprimorados.

Perguntei para o ChatGPT se a IA responsável por suas virtuais engrenagens extinguirá os médicos. Obtive esta argumentação: "Como um modelo de linguagem, minhas habilidades são baseadas na análise de grandes quantidades de dados e na capacidade de aprender com esses dados para fornecer respostas úteis aos usuários. Ainda não posso substituir completamente os médicos, pois muitas vezes o diagnóstico requer a realização de exames físicos e avaliações clínicas que só podem ser realizadas por profissionais de saúde, embora eu possa fornecer informações precisas e úteis sobre sintomas, condições médicas e tratamentos. No entanto, estou sempre em constante evolução e aprendizado, e é possível que no futuro eu possa fornecer mais informações úteis e precisas para ajudar no diagnóstico e tratamento de doenças".

Pretensioso?

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.