Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente

Darwin já via emoções ligadas à neurologia e à fisiologia

Ideia ajudou a transformar a psicologia em uma disciplina científica

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Charles Darwin, em 1872 defendeu: emoções são estados mentais que causam reações corpóreas estereotipadas. Para Darwin, cada sentimento poderia ser precisamente identificado em posturas e movimentos faciais específicos. Para isso haveria uma rota universalmente repetida, que liga esse produto cerebral aos músculos.

Quando ativa, a emoção é denunciada por uma exata expressão. Essa ideia foi uma das inspirações para a alvorada técnica que transformou a psicologia, até então filosofia mental, em uma disciplina científica. Os pesquisadores passaram a procurar bases físicas para explicar medo, raiva e tristeza embasados na neurologia e na fisiologia.

A mente humana era vista como um conjunto de capacidades separadas e cada uma dessas seria produzida por um particular substrato anatômico. Na época surgiam descobertas de que exatos locais cerebrais cuidavam de funções restritas como linguagem e visão. Por que não existiriam áreas que guardam raiva, medo e alegria?

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Kjpargeter/Freepik

Os cientistas Klüver e Bucy em 1939 deram boas respostas a essa pergunta. A dupla observava a falta que fazia partes eliminadas no cérebro de macacos. Primatas cujos sistemas límbicos- um conjunto de estruturas da base cerebral -haviam sido danificados, mudaram de animais ferozes para dóceis. Antes da intervenção se afastavam de animais peçonhentos em aversão, depois, até os traziam à boca. Fora descoberto o centro intracraniano para a raiva e medo. Décadas após Klüver e Bucy, novas pesquisas apontaram que uma parte do sistema límbico, a amígdala, deveria ser considerada esse núcleo emocional. Sob essa visão, os sentimentos batalham com a cognição para o controle do comportamento.

Técnicas sofisticadas de imagem cerebral em humanos provam que as amígdalas atuam para temor e pânico e no condicionamento emocional. Também formatam memórias com apego emotivos e, nos habilitam a reconhecer a expressão facial do medo. Mas essas conclusões foram tomadas de experimentos laboratoriais. Exemplos de vida real, de pessoas com lesões cerebrais restritas às amígdalas, são indispensáveis para um conhecimento mais refinado.

Existe um defeito genético raro que causa a doença de Urbach-Wieth, cujas consequências espalham-se pelo corpo e em especial leva à calcificação das amígdalas cerebrais. S.M é uma mulher que tem este diagnóstico, ela possuiu dificuldades em experienciar medo em momentos normativos; por exemplo, ao assistir a filmes de terror. S.M não consegue aprender com seus erros e mal reconhece o medo expresso em faces e tons de vozes. Entretanto, em circunstâncias especiais, quando inala ar com concentrações mais altas de CO2, ela entra em pânico. A amígdala, portanto, não é fundamental para a sensação de medo. Outro ponto: nem todas as pessoas com lesões bilaterais de amígdalas sofrem das mesmas restrições vividas por S.M.

Diferente do que Darwin pensou, não existe uma expressão única certeiramente ligada a uma emoção. E se desejamos compreender estes sentimentos é insuficiente olharmos para uma área em nosso organismo, todo o cérebro importa. Este órgão contém módulos de especialização, mas possui outra característica oposta a esta atribuição. Várias de seus elementos, estruturados em locais diferentes, têm função semelhante e promovem o mesmo comportamento. A seleção natural favorece sistemas assim, que demonstram complexidade e resistência a danos.

O pesquisador inglês Charles Darwin - Cambridge University Library

A atividade de um único neurônio, ou de um pequeno agrupamento destes, é a presença ou ausência de alguma função cerebral, em um dado momento. Muitos neurônios se conectam com um único, a chamada conectividade muitos para um. Logo, a atividade de uma destas células, recebe influências de diferentes combinações exercidas por seus pares. Como consequência, os neurônios têm múltiplos propósitos.

E assim são as diferentes regiões cerebrais, ainda que especializadas, exercem diversas atribuições. E muitas destas transformam eventos neurais em categorias mentais, que atribuímos um significado e nomeamos. Tristeza, raiva, nojo são exemplos dessas categorias. São palpites de nossa situação interna. Este é um processo crucial para que aprendamos com a experiência, e para que infiramos o que está prestes a acontecer.

O cérebro não surgiu para a razão, para felicidade ou para a percepção precisa. Fosse assim, o consumo de energia seria imenso e insustentável. Restrito por privações, o cérebro cria modelos mentais para compreender o instante, em suposições. Formar emoções é uma forma cerebral para termos mapas mentais de nossas introspecções, e para dar significado a influência que o ambiente exerce sobre os nossos corpos. É a maneira de nosso encéfalo explicar as sensações corporais que surgem por efeito da situação do nosso redor, e internamente. Emoções não são apenas reações ao ambiente, mas uma forma de compreender consequências. São obras difusas de nossos cérebros e instáveis, nenhuma sensação é exatamente a mesma que acabou de acontecer.

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