Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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STF

O coletivo e o individual

Juízes não podem ampliar o arco da repressão para atingir moradia de gente inocente nas favelas

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Militar, de costas, fotografa RG e rosto de morador a sua frente, que está de camisa polo amarela
Militares 'ficham' moradores da zona oeste do Rio durante intervenção federal - Danilo Verpa/Folhapress

A semana foi marcada por percepções opostas da palavra "coletivo".

O governo Temer e o general interventor do Rio de Janeiro aspiravam (ou aspiram) a mandados coletivos de busca e apreensão. A ideia ameaça habitantes de favelas cariocas, não o Leblon, desde 2011. A Justiça do Rio já desautorizou algo semelhante em 2016.

Juízes não podem ampliar o arco da repressão e atingir a morada de gente inocente em bairros inteiros --e não apenas o domicílio do indivíduo suspeito. A "realidade urbanística" da cidade não autoriza o abuso.

Se o mandado coletivo de busca (não previsto pela Constituição) amplia a perspectiva de sofrimento individual, pelo potencial de violação de direitos civis da vizinhança, por exemplo, a decisão da segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) concedendo prisão domiciliar para presas provisórias gestantes ou com filho menor de 12 anos ameniza o sentimento de barbárie.

Maioria apertada (3 a 2), os ministros concederam habeas corpus coletivo (não previsto pela Constituição) capaz de proteger a maternidade e crianças inocentes. A decisão não é do plenário do Supremo e instâncias inferiores têm como boicotá-la, estabelecendo embaraços para sua implementação generalizada, mas a atitude é civilizatória, humanista, uma guinada na história judicial e doutrinária do habeas corpus.

Depois de desvalorizar o instrumento constitucional do habeas corpus em tantos julgamentos recentes, o Supremo inova e beneficia número indeterminado de pessoas, contrariando parecer da Procuradoria-Geral da República e ampliando sua utilidade institucional.

Até aqui, habeas corpus só era impetrado em favor de alguém individualizado, identificado, ainda que sem nome. Advogadas do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos tomaram a iniciativa de agir genericamente em favor de mulheres submetidas à prisão cautelar que "ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade", além "das próprias crianças".

A decisão (transmitida para os tribunais brasileiros com alçada criminal para que cumpram seus mandamentos no prazo de 60 dias) é bastante limitada. Não alcança a mulher presa por força da condenação ou, preventivamente, por delito praticado com violência ou grave ameaça, mas beneficia mulheres detidas por tráfico de drogas, o segmento que mais cresce na população carcerária desde os tempos de Lula.

O ano judiciário começa contra a maré. Ricardo Lewandowski ataca a "cultura do encarceramento" que prolifera na magistratura. Reserva à Defensoria Pública da União a legitimação ativa para formular o habeas coletivo: seus efeitos têm abrangência nacional, o que autoriza o STF a suprimir instâncias de julgamento. Gilmar Mendes defende a coletivização. Celso de Mello sugere adaptação constitucional ao momento histórico. No mérito, Dias Toffoli adere à maioria e Edson Fachin fica isolado.

O caráter coletivo das duas situações não se confunde.

A Constituição não é maleável ou desconexa. A intervenção federal na segurança pública não significa estado de sítio. Habeas corpus coletivo não é precedente para mandado coletivo de busca. O primeiro quer a efetividade de garantias constitucionais. O segundo as subtrai.

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