Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Dança das cadeiras

O vice, entre tantos perfis, pode ser sambista, doutor, astronauta ou príncipe

Prédio do Palácio do Planalto, em Brasília
Prédio do Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress

Tempos desfavoráveis na economia e na política, o assunto não aparenta muita importância: a substituição do presidente. Não faz sentido recorrer à linha sucessória por motivo de viagem ao exterior. No passado, a substituição temporária do governante se justificava pela dificuldade de comunicação. A travessia do Atlântico era complexa, demorada.

Presidente governa de onde estiver, Alasca, Mongólia ou Terra do Fogo. Imprensa e redes sociais monitoram os seus movimentos. A aviação o mantém próximo. Eventuais emergências se resolvem independentemente da presença física em território nacional.

Se o sono —caracterizado pela supressão da vigília, desaceleração do metabolismo e redução dos sentidos— não é obstáculo para o exercício do cargo, basta acordar, a viagem também não impede a administração da coisa pública. 

Mas a dança das cadeiras é tradicional. A sucessão de agrados deve compensar a falta de poder. Mais ou menos discreto, o interino ocupa o palácio, recebe visita de parentes, conterrâneos, celebridades e diplomatas, sobe e desce rampas, despacha com ministros, assina decretos, oferece jantares, flâmulas —tudo registrado em álbum fotográfico que carrega como suvenir.

José Sarney (vice de Tancredo Neves) teve a sombra incômoda e persistente de Ulisses Guimarães, poderoso presidente da Câmara dos Deputados. O ritual da substituição ronda o ridículo diante de exageros comportamentais: o deputado Paes de Andrade transferiu o governo, por um dia, para Mombaça, no Ceará. 

Temer, vice de Dilma, viajou duas vezes em julho, mês das convenções partidárias, criando embaraço para os presidentes da Câmara e do Senado. Como são candidatos em 2018, se assumissem o cargo ficariam inelegíveis. Homiziados em Miami (EUA), as casas legislativas provisoriamente nas mãos de seus vices, tomou posse então a presidente do Supremo Tribunal Federal, outra mulher a fazer uso da poltrona presidencial.

Substituto não governa, só enfeita a biografia. 

Mas na história do Brasil alguns vice-presidentes assumiram para valer: Floriano Peixoto (1891-1894), Nilo Peçanha (1909-1910), Delfim Moreira (1918-1919), Café Filho (1954-1955), João Goulart (1961-1964), José Sarney (1985-1990), Itamar Franco (1992-1995) e, recentemente, Michel Temer.

Um presidente do STF, José Linhares, após a queda de Getúlio Vargas (1945), dois presidentes da Câmara, em meio a turbulências políticas, Carlos Luz, em 1955, e, por duas vezes, Ranieri Mazzilli, em 1961 e 1964, e um vice-presidente do Senado, Nereu Ramos (1955), cumpriram períodos de transição. 

Jango furou a chapa de Jânio Quadros: na época, o candidato a vice recebia o voto diretamente.
O vice-presidente Pedro Aleixo foi vítima de golpe. Com o afastamento de Costa e Silva em 1969, por razão médica, a ditadura militar criou a junta provisória formada pelos ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. 

Sob a vigência da Constituição de 1988, dois presidentes caíram por crime de responsabilidade, Fernando Collor e Dilma Rousseff. Desacreditados, esgotada a capacidade de governar, perderam no tribunal político.

O afastamento de Dilma espalhou sementes da fragilização da Presidência da República. Mesmo sem saber se vai vencer candidato de esquerda ou de direita, histriônico ou não, o impeachment está no horizonte do presidente que não repartir o poder.

É bom ficar de olho no vice, que, entre tantos perfis, pode ser sambista, doutor, astronauta ou príncipe.

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