Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Estelionato, política e atentado

Atentado contra Bolsonaro remete o Brasil a tempos da República Velha

Os “simplórios” não podem ficar à mercê dos trapaceiros. A frase, extraída de precedente judicial, justifica a repressão a estelionatários, charlatães e curandeiros.

O estelionato, definido no artigo 171 do Código Penal, faz parte da cultura brasileira. A expressão “um-sete-um” está no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa por também significar “pessoa que mente ou que engana outras com o objetivo de levar vantagem”.

O delito, diante da violência, dos tiroteios e da repercussão de infrações como corrupção e lavagem de dinheiro, perdeu importância processual. Por isso, o sistema penitenciário, com mais de 720 mil presos, hospeda cerca de 6.000 estelionatários.

O cheque sem fundo desapareceu e o conto do vigário é ocorrência rara. A população está (no bom sentido) mais desconfiada: já não se vendem lotes residenciais no parque do Ibirapuera para vítimas espertas. Leis foram editadas para a proteção da boa-fé, como a que pune a propaganda enganosa (por induzir o consumidor a erro) e a propaganda abusiva (por explorar medo e superstição).

No mundo da política, porém, a tolerância institucional é diferenciada. A trapaça é ideológica. O dano não é patrimonial. Sem poderes de censura, a liberdade de expressão para amigos e inimigos, o choque desimpedido de opiniões e a informação jornalística ilimitada são os instrumentos capazes de desmascarar exageros e falsidades.

O panorama eleitoral de 2018 é ilusionista. Mentiras e crenças subvertem a visão dos acontecimentos.

Entre os principais candidatos à Presidência da República, talvez Marina e Bolsonaro, cada um a seu modo, sejam genuinamente verdadeiros. Mas ela, ambientalista demais, não gera confiança, e ele, truculento demais, multiplica a rejeição.

Geraldo, “cabeça e coração”, é “candidato dos pobres”. Aliado ao centrão, tenta se desvencilhar da imagem combalida de Michel Temer, como se o PSDB, do qual é presidente, não fosse um dos alicerces da ascensão do atual governo. Promete o fim do déficit fiscal em dois anos.

Ciro tem destreza verbal, como anota Sérgio Rodrigues na coluna “Da arte de nomear bois” (20 de agosto de 2018), mas, além da verve coronelista, a fala é leviana e distribui notas de três reais. A imagem retocada de Kátia Abreu, candidata a vice, simboliza a arte de enganar. Promete limpar o nome dos devedores.

Símbolo do jogo sujo de 2014, o prato de comida subtraído do pobre é slogan do PT. O discurso da injustiça e a narrativa do golpe, obra do criacionismo religioso que mantém Lula no tabuleiro eleitoral, dissociam o partido do desastre econômico e político causado por Dilma Rousseff. O candidato é “progressista”, mas, às favas os escrúpulos de consciência, afaga Renan e Eunício, cangaceiros da política. Promete a volta da felicidade.

Ao dar eficácia imediata à anulação do registro de Lula, o Tribunal Superior Eleitoral poupa o país de uma fraude inconcebível: o nome e a foto do ex-presidente na urna eletrônica para o voto em outra pessoa —Haddad ou Andrade.

A fala franca, primitiva e às vezes repugnante do candidato fascista, que estranhamente desperta simpatia entre homens e mulheres, pobres e ricos, não esclarece o estúpido atentado de Juiz de Fora.
O episódio remete o Brasil para tempos da República Velha. Beligerância extrema, messianismo, turbulência de mercados, vulnerabilidade dos “simplórios” e protagonistas moralmente deformados completam o enredo. lfcarvalhofilho@uol.com.br

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