Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

O ímpeto autoritário

É hora de celebrar a diversidade e as liberdades públicas

A onda de otimismo favorece Jair Bolsonaro. Pelo menos, no curto prazo. O índice de confiança da população em relação à economia é recorde, aponta a série histórica de pesquisas do Datafolha. Segundo o Ibope, 2 de cada 3 brasileiros têm expectativa de que o novo governo será bom ou ótimo.

Resta saber como este capital político inestimável é absorvido e replicado pela equipe e pela família presidencial. 

O poder embriaga. Mulher e filhos de Bolsonaro, como mostram camisetas exibidas depois do Natal (assim como a falta de explicações do assessor Queiroz), produzem ruídos inúteis, rudimentares e incivilizados na atmosfera política.

Se o novo ministro da Educação submergiu depois de indicado, o futuro chanceler extravasa a alegria no Twitter, anunciando que o Brasil, a partir de agora, está na "vanguarda de um processo mundial" que derruba as barreiras que separam "vários aspectos da vida e do pensamento", barreiras entre "a economia e os valores profundos".

O fato é que, em meio à falação desconexa ou agressiva do seu pessoal mais tosco, ainda sem focinheira, Bolsonaro procura espaço para promover reformas, acelerar o crescimento e gerar mais otimismo. Estrategicamente, dissemina a imagem de presidente austero e franco.

A alternância de poder, com movimentos pendulares à esquerda e à direita, é parte do jogo democrático. O problema do Brasil atual é a aparente falta de voz alternativa, a sombra íntegra, capaz de inibir a ação arbitrária do governante pela simples existência ou pelo contraponto moral.

PT e PSDB, por conta da corrupção e da fisiologia, aniquilaram lideranças e valores social-democratas. Além do rolo compressor representado pela figura atípica de Jair Bolsonaro, há o sebastianismo melancólico do projeto "Lula Livre".

É importante lembrar: contra o que parecia ser trágico (a vitória eleitoral do capitão), parte dos eleitores de seu opositor dirigiu-se às urnas eletrônicas como quem atravessa o rio Pinheiros a nado. 

Se incomoda o desapego verbal de Bolsonaro a instrumentos de proteção do meio ambiente, incomoda também o desapego prático da era petista a instrumentos de proteção do meio ambiente.
 

Bolsonaro não desconvidou Cuba, Venezuela e Nicarágua para a cerimônia de posse pela perspectiva do comparecimento indesejável dos ditadores ou por sentir antipatia por governantes arbitrários. A descortesia diplomática lembra ao Brasil o perfil constrangedor de "companheiros" do PT: Daniel Ortega (tão facínora como Anastasio Somoza) e Nicolás Maduro asfixiam sistematicamente imprensa e oposição; em Cuba, depois do império de Fidel Castro, "inspetores" do governo ainda combatem manifestações artísticas pautadas pelo mau uso da vulgaridade e dos símbolos patrióticos.

Domesticar o ímpeto autoritário emergente (inclusive nos estados) é o desafio brasileiro de 2019. O momento é de cultuar a diversidade e as garantias constitucionais e de contestar atos administrativos atentatórios ou ameaçadores.

Viva o Teatro Oficina que remonta "Roda Viva" depois de 50 anos. Viva o Instituto Socioambiental (ISA) que monitora a epidemia do garimpo ilegal na Amazônia. Viva o Masp que, em 2019, exibe arte de muitas mulheres, Djanira, Tarsila, Lina Bo Bardi, Anna Bela Geiger, Leonor Antunes e Gego. Viva a memória de Otavio Frias Filho e seu insubornável e radical compromisso com a liberdade de expressão. 

Feliz ano novo. 

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