Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Feiras de segurança

A política de armas de Bolsonaro aquece o mercado do medo

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A simpática e tranquila rua Pernambuco, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, tem uma única quadra e pelo menos 70 câmeras direcionadas para as calçadas. Setenta câmeras.

Não é necessário ser economista, general ou detetive de hotel para perceber o desperdício material e estratégico deste esforço voltado para a proteção dos moradores.

E, além das câmeras, há uma infinidade de bugigangas inúteis ou ineficientes (a matriz tecnológica dos equipamentos está no Vale do Anhangabaú e não no Vale do Silício) que enfeiam edifícios e cidades.

 

Extensores de grades, rolos de arame farpado, cercas elétricas, geradores de choque, sensores infravermelho, holofotes automáticos, alarmes sonoros, a fiação exposta, tudo é idealizado para impedir a invasão de transeuntes quando se sabe que assaltos a condomínios dependem de planejamento e rendição de porteiros ou moradores e não da escalada de muros.

Desperdício é a palavra que sintetiza o mercado do medo. O sentimento de insegurança cria empregos, gera lucros e distribui riquezas para policiais (atuando como consultores privados, evidentemente) e políticos dos diversos partidos.

Se milícias impõem à força a venda de segurança em favelas, famílias de classe média são reféns de mecanismos mais sutis de convencimento.

O desperdício não envolve apenas recursos financeiros da vizinhança assustada ou prevenida. Recursos públicos, tão escassos para a educação das ciências humanas, escorrem sistematicamente pelo ralo quando o tema é segurança pública.

Desde 2015, para assegurar o sigilo de sua "capacidade investigatória", a polícia judiciária não precisa mais fazer licitação nem tornar públicos contratos de aquisição de equipamentos e serviços para rastreamento e obtenção de provas contra o crime organizado.

As catracas eletrônicas para acesso às sedes da Polícia Federal em Brasília e em São Paulo, por exemplo, não funcionam ou nunca funcionaram. São apenas enfeites.

O governo de João Doria (PSDB) anuncia concorrência internacional para aquisição de 40 mil novas pistolas para policiais militares paulistas porque o armamento atual apresentaria falhas de funcionamento, como disparos acidentais.

Militares cariocas desferiram 80 tiros não acidentais contra suspeitos inocentes: a polícia de toda a Alemanha não faz 80 disparos durante o ano.

Tem muito contrabando, mas armas e munições são sistematicamente surrupiadas de depósitos oficiais como fóruns, delegacias, quartéis e arsenais privados. Os projéteis que mataram Marielle Franco pertenceram à Polícia Federal. Levantamento da PF de 2016 indica que, em dez anos, só no Rio de Janeiro, 17.662 armas e 417 coletes à prova de bala teriam se transferido das firmas de vigilância para o paiol dos bandidos.

A lógica da indústria de armas é essencialmente perversa. Quanto mais armamento circula no mercado paralelo, mais armamento é produzido e comercializado legalmente.

Por essas e por outras o setor econômico, que já contava com o apoio desinteressado da bancada da bala, tem motivos de sobra para se entusiasmar com o governo de Jair Bolsonaro (PSL) e filhos, independentemente da reforma da Previdência Social.

As feiras de segurança prosperam no Brasil e atraem um poderoso empresariado estrangeiro. Ao flexibilizar o uso de armas e estimular violência privada e policial, a Presidência da República aniquila a expectativa idealizada da paz e aquece a economia do crime.

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