Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

No olho do furacão

As polícias devem ser contidas para o bem de todos

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A onda de protestos pelo assassinato de George Floyd criou nos Estados Unidos um ambiente --pelo menos temporário-- de indignação e favorável a reformas.

A polícia é um mal inevitável. Decorrência lógica da violência comum e política, da criminalidade e da reconfortante sensação de segurança individual, o ser humano recebe poder para andar armado, prender, investigar, vigiar e reprimir, com o risco de descambar impunemente para o território perigoso dos abusos e dos excessos.

O que varia, de lugar para lugar, é a qualidade dos serviços, mais ou menos inteligentes, avaliada pelas estatísticas, e a eficácia dos mecanismos de controle e supervisão. Polícia perfeita não haverá.

Em ano eleitoral, os democratas (opositores do republicano Donald Trump) querem modificar os protocolos que hoje regem as forças federais, estaduais e municipais. O Congresso discute a abordagem racista, a imobilização agressiva (como a asfixia que matou Floyd), a invasão de residência sem antes bater na porta do morador, o uso obrigatório de câmeras para filmagem das operações e um banco de dados para registro de más condutas policiais.

Políticos de Minneapolis pretendem abolir o departamento policial existente e criar um novo sistema de segurança, o que não parece ser uma tarefa fácil.

Nos EUA, as forças policiais se fortaleceram pela generosidade orçamentária conquistada nas disputas eleitorais e pela aquisição de graus exagerados de imunidade judicial. Protegidos por sindicatos e pelo sistema penal, raramente se sentam no banco dos réus.

O crime do matador de Floyd foi definido inicialmente como culposo --sem intenção de matar. Ele sufoca a pessoa detida por mais de oito minutos, sabe que ele não respira, a cena é filmada, todos veem, é um escândalo, mas a acusação por homicídio doloso (por assumir o risco de matar) só apareceria depois, com o acirramento das manifestações populares.

No Brasil, nunca um presidente da República devotou tanto apreço e simpatia por agentes policiais em maus lençóis.

Jair Bolsonaro critica processos instaurados contra os que se excedem. Defende projetos de lei descriminalizando erros e desvios. Não se comove com as balas e as vidas perdidas. Não liga para o cotidiano de confrontos e para a banda podre do sistema policial.

Em plena pandemia (que mata mais de mil habitantes por dia no Brasil), o presidente Bolsonaro sente-se realmente à vontade, descontraído, quando participa de blitz da Polícia Rodoviária Federal e cochicha com a tiragem.

Mas a epidemia de eliminação de suspeitos que assola o Brasil há décadas não recebe apenas impulsos de Jair Bolsonaro. Governadores, cada qual ao seu modo, inclusive à esquerda, sempre aderem a políticas públicas de repressão.

As corporações têm à disposição um curral eleitoral formado pela tropa, seus familiares, e pela população amedrontada. A bancada da bala é o retrato do movimento de ocupação do espaço legislativo. As corregedorias, contaminadas pelos interesses corporativos, são omissas, tolerantes.

Quando não há filmagem da abordagem policial, costuma prevalecer a versão oficial. Nem a imprensa cumpre com rigor os seus manuais. No corpo da notícia, o suspeito que quase sempre morre no tiroteio não tem nome, nem idade, nem nada, e teria reagido depois de cometer um assalto não se sabe contra quem, em algum lugar não identificado.

Provavelmente, é negro ou pardo e pobre.

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