Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Marketing será a principal tarefa da filosofia, e a missão será destruí-lo

Em vez de olhar a maneira como as pessoas se comportam, vendemos como elas deveriam se comportar

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Faz tempo que a análise de tendências de comportamento se transformou em marketing de comportamento. Em vez de olhar a maneira como as pessoas se comportam, vendemos como elas deveriam se comportar para serem vistas como alguém bacana.

Esse processo de empobrecimento tende a acompanhar o ethos da maior parte das redes sociais —mentir sobre si mesmo e supervalorizar a própria inteligência, a fim de esconder a real estupidez, e editar a própria imagem, a fim de encobrir a própria fealdade.

Quer um exemplo? Quando uma marca importante oferece 72 gêneros diferentes para seus consumidores dizerem qual é o seu, confunde-se marketing (a mensagem é “aceitamos o que você é, seja lá o que você seja”) com o fato de que identidades sexuais e de gênero não são estilos de lojas de moda —tampouco há 72 estilos diferentes, talvez sejam sete, no máximo. O próprio conceito de gênero pode desaparecer dentro de algum tempo, passada essa moda.

Ilustração em tons de amarelo, feita de aquarela, o cenário é uma sala de analista. A poltrona está vazia, apenas com uma folha e uma caneta no lugar. Ao invés de divã, um celular gigante recarregando
Ricardo Cammarota

O mundo não será mais feminino, mas assexuado como tendência do comportamento humano. A vida sexual está em baixa. As pessoas confiam menos umas nas outras, homens e mulheres se entendem cada vez com menos frequência.

A vida sexual adulta exige compromissos que estão fora de moda. O celular é o melhor contraceptivo no mercado. Além disso, filhos são um passivo perigoso na carreira profissional das pessoas, principalmente das mulheres, além de serem um passivo também na programação da vida financeira a curto prazo. A vida tornou-se longeva, mas as almas perderam o fôlego.

Arriscaria dizer que a ideia de que o feminino deixará o mundo corporativo mais doce, emocional e inclusivo significa imaginar que o ambiente de trabalho não transforma, com o passar do tempo e com a piora da competição, todo mundo em lobo e loba.

Esse tipo de ideia confunde a mulher que entra para o mercado de trabalho com a mãe e a avó que quase não existem mais no mundo. Em breve, todos serão bestas e feras à caça dos mais fracos.

As gerações mais jovens não farão o mundo melhor. Devo adiantar que nunca existirá um mundo melhor, graças a Deus. A sociedade melhora em algumas áreas, mas sempre acaba piorando em outras.

Como diz o filósofo britânico John Gray, nascido em 1948, no seu maravilhoso livro “Cachorros de Palha”, lançado no Brasil pela Record, nada seria mais terrível do que uma humanidade perfeita. A espécie humana é formada por um animal como qualquer outro da natureza. Sendo assim, não é dona do seu destino.

Os jovens estão sendo despedaçados pelo mercado de trabalho e serão ainda mais escravos do que seus pais foram. O marketing confunde essa geração ao dizer que eles podem trabalhar menos horas convencionais, graças à internet. Na verdade, trabalharão muito mais fora do esquema convencional de antes.

No caso daqueles que, de fato, poderão trabalhar menos, poderão fazer isso porque seus pais deram a eles essa condição material prévia. Não se deve confundir nichos de comportamento com tendências viáveis de longo ao alcance do amplo espectro.

A política será cada vez mais violenta e confusa. As eleições recentes aqui e nos Estados Unidos nos levaram a crer que exista um cansaço na política profissional com relação às polarizações, favorecendo, em alguma medida, partidos menos afeitos aos polos, com históricos institucionais e com apelo centrista —lembre que o eleito Biden era o candidato americano de centro .

Mas, após a vitória, a pressão voltou dentro do próprio partido Democrata americano. A instabilidade de vocação imediatista da guerra cultural dos dias de hoje me parece dissociada dos festejos de uma possível ida ao centro.

Isso se deve à presença das redes sociais como ator político coletivo. Essas redes têm uma natureza de pobreza semântica aguda que complica a possibilidade de diálogos políticos institucionais. O próprio fetiche da entrada do jovem no mundo partidário aumenta o risco de intolerância na política profissional. Jovens são tolerantes apenas à música alta.

Enfim, o século 21 será o século da mentira. O marketing será a principal tarefa da filosofia —e a missão será destruí-lo como modelo de mundo. Conseguiremos?

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