Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Não adianta xingar os invasores do Capitólio, eles não acreditam em nós

A turba não está nem aí para as instituições democráticas e considera todas corruptas

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Imagine que você cresceu em bairros periféricos e não teve acesso a muita coisa boa que permite as pessoas se educarem e ganharem dinheiro.

Agora, imagine que você escuta com frequência, porque trabalha para a elite, coisas como “minha empregada, coitada, é evangélica, não teve opção na vida”, “essas crianças vão reproduzir a violência que veem nos seus bairros e nas suas casas”, “pessoas ignorantes votam em idiotas”, e por aí vai.

Agora, imagine que essas pessoas da elite, com as quais você convive profissionalmente, resolvem explicar para você que, como você é ignorante e pobre, você acredita em fake news. Imagine você, servindo cafezinho para essas “gentes”, enquanto eles e elas, todos e todas bem chiques, discutem a complexidade do impacto da desinformação na era das mídias sociais e como isso fortalece discursos populistas do tipo Trump e Bolsonaro.

Ilustração da coluna de Luiz Felipe Pondé, edição de 11.jan.2012
Ricardo Cammarota

Arriscaria dizer que não adianta ficarmos xingando os invasores do Capitólio em Washington, do dia 6 de janeiro, porque eles não acreditam em nós que somos mais inteligentes, mais ricos (no geral) e mais bem informados.

Somos essa elite chique que discute a complexidade do impacto da desinformação na era das mídias sociais e como isso fortalece discursos populistas tipo Trump e Bolsonaro.

Eles são os que fazem nossas estantes em nossas bibliotecas ou os que fazem o encanamento de nossas casas de praia.

Agora, eles têm formas de transformar o ressentimento e a exclusão de postos institucionais de produção de informação em ação. Diria, em práxis. Eis o caráter democrático popular das redes. A vocação à tagarelice na democracia já era apontada por Alexis de Tocqueville (1805-1859) em seu monumental “Democracia na América”.

A elite não gosta de ruídos e falta de educação. Mas é típico de toda elite hoje ser condescendente com os menos afortunados. E, quando esses se fazem revoltosos, temos uma gama de justificativas para julgá-los.

A extrema direita americana e brasileira julgam ter atingindo o grau de verdadeiros revolucionários e disputam pau a pau o vocabulário jacobino. A esquerda, atordoada, como toda elite quando vê gente se comportando de forma inadequada em relação ao status quo, busca explicações para se acalmar à noite, além de tranquilizantes.

Essa turba não está nem aí para as instituições democráticas. Consideram-nas todas corruptas e defensoras das elites. Xingam jornalistas de mentirosos porque a mídia é elite, assim como as universidades.

Há uma ruptura de vocabulário que a inteligência pública insiste em não reconhecer porque alimenta, ainda, o fetiche de termos como “revolucionário”, “quebra de paradigmas”, “preconceitos estruturais”
e afins. Essa turba pensa que nós temos um preconceito estrutural contra gente que não aceita nossas explicações sofisticadas para o mundo deles.

As redes sociais estão criando uma ruptura radical na semântica da reflexão pública, trazendo à tona todo um universo de significados políticos (e outros) que a maioria de nós não consegue assimilar porque aderimos a um jogo de linguagem de gente chique: “defesa das instituições democráticas” soa, para os descamisados dos Estados Unidos, como “se não tem pão por que não comem brioche?”.

Essa turba aprendeu a lição da disputa por narrativas e sabe que as pessoas, na realidade profunda do cotidiano, acreditam em qualquer lixo que as agrade. O povo, quando faz o que eu acho idiota, é ignorante. Quando faz o que eu acho legal, é progressista.

Um detalhe significativo. Luís Corrêa Lima, no seu “Fernand Braudel e o Brasil, Vivência e Brasilianismo (1935-1945)”, lançado pela Edusp, em 2009, dedica excelentes páginas à missão francesa na USP nos anos 1930, da qual Braudel fez parte.

Numa dessas narrativas, vemos que os jantares inteligentes da elite paulistana de então tinha que ter seu francês inteligente, antes do vinho e do jantar, ilustrando a noite. Essas “gentes” tinham seus serviçais ignorantes também. Nada mudou. Continuamos com nossos franceses, em nossos jantares inteligentes, em que vomitamos com demonstrações de política sem educação.

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