Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Ter filhos virou um mau negócio

Não há uma crise de fertilidade, mas, sim, uma recusa de fecundidade

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Estará o número de brasileiros menor do que se imaginava? Esse assunto é velho. E não é um fenômeno nacional.

Mas, ao contrário do que dizem, não se trata de uma crise de fertilidade. Apenas chegamos à conclusão de que filhos são um mau negócio. Mas, claro, mente-se sobre essa conclusão também e inventa-se desculpas inteligentinhas.

A ilustração de Ricardo Cammarota foi executada manualmente em técnica lápis crayon sobre papel, na proporção horizontal: 17,7 x 9,5cm.  A imagem, figurativa, não apresenta uma narrativa linear. Está composta de vários personagens, bem estilizados, com traços pretos de contorno esfumaçado, cores vivas (rosa, vermelho, amarelo, azul esverdeado) em estilo simples, como se fossem desenhados por uma criança.  Pais seguram com as mãos os pés de dois filhos (menina e menino) que estão de ponta cabeça, personagem de braços abertos com a cabeça de um cubo mágico, três cabeças - uma saindo de dentro da outra, um personagem feminino com 3 cabeças, uma mão segurando um espelho oval com um rosto refletido, cabeças de personagens submersos na água e um pai segurando o filho.
Ilustração de Ricardo Cammarota - Ricardo Cammarota

Algumas desculpas inteligentinhas: o mundo já tem gente demais, prefiro adotar —quase ninguém adota, só ricos americanos e europeus para ficar bem na fita. Ter filhos num mundo patriarcal e capitalista é uma forma de opressão sobre as mulheres —essa então merece gargalhadas, não?

Mais: a espécie é má, melhor deixar a Terra para as formigas que têm consciência social altamente desenvolvida. Gente morre e polui o planeta com seus cadáveres e cinzas, e, mesmo quando viva, produz lixo. Enfim, escolha a sua. Ah! Claro: as pessoas têm todo direito de não querer ter filhos.

Mas a verdade dos fatos é a de que gente com mais formação, mais opções na vida e mais visão do futuro em perspectiva não quer ter filhos. Quando tem, é um só, e o coitado vai ter que aguentar as projeções
narcísicas dos pais e mães.

Ter filhos é mais frequente entre pobres ou religiosos de altíssima aderência à prática institucional da sua religião.

Enfim, vamos chegando à conclusão pura e simples de que ter filhos é coisa de pobres, de fanáticos religiosos ou de gente sem opções na vida.

Reconheçamos que a alta natalidade da humanidade caminhou lado a lado com a pobreza, a ignorância e a violência contra as mulheres. Muitas crias humanas, ao longo dos milênios, foram fruto de estupro, de violência sexual durante guerras, da escravidão, de crimes de todos os tipos. Ou seja, o número alto de filhos sempre foi fruto de um passivo social sobre as mulheres.

Agora, elas não querem mais esse ônus. A queda da natalidade é fruto de informação, da emancipação feminina, do sexo só para lazer, da melhoria das condições materiais de vida —filhos derrubam o padrão material das pessoas, aliás.

Logo, a menos que o mundo despenque para um abismo histórico, os jovens se tornarão uma espécie em extinção.

Pouco importa todo o mimimi do marketing sobre crianças e o futuro da humanidade. As pessoas estão preocupadas com o futuro delas. Dane-se a humanidade —é o que pensam na calada da noite, fora do Instagram.

De nada adianta essa moda besta das pessoas se apresentarem como "advogado, ativista contra preconceitos e pai do Joaquim e da Maria Antônia". Ou "atriz, negra e mãe de Ariel". Práticas assim apenas reforçam o ridículo da coisa.

Sendo assim, não há uma crise de fertilidade, mas, sim, uma recusa de fertilidade. E, sendo isso fruto de transformações materiais da vida e do modo de produção em que vivemos, nada indica uma
mudança nessa curva.

Em qual modo de produção vivemos? Os marcadores são: produtividade material individual e social, eficiência a todo curso, entrega de resultados de forma cada vez mais acelerada e a retirada sistemática de obstáculos para a realização desses marcadores do PIB.

Filhos atrapalham a carreira das mulheres e das empresas. Empresárias de sucesso só têm filhos se terceirizados. E não me venham com esse papo do seu tio que cuida dos filhos enquanto a mulher brilha nos negócios. A chance desse casamento ir para o saco é de quase 100%, quando não estamos fazendo marketing de comportamento descolado.

Nada disso implica em zerar a fertilidade. Muita gente opta por um filho só, o que implica, ainda, na queda da fertilidade a médio e longo prazo.

Os próprios jovens na faixa dos 20 anos temem ter filhos porque sabem, no fundo do coração, o pepino que eles são para seus pais e mães.

Em breve o censo de pets será mais importante para o PIB do que de crianças. As escolas, então, abrirão cursos para pets, onde aprenderão a latir de forma bilíngue.

O que mudará isso? Uma catástrofe que traga de volta guerras em que soldados violentam as mulheres por onde passam e façam o número de estupros voltarem às estatísticas do passado ou as mulheres saírem do mercado de trabalho. Difícil ser adulto, né?

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