Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé
Descrição de chapéu América Latina Argentina

Qual a explicação para o audiovisual argentino dar de dez a zero no brasileiro?

Nossa produção é, em geral, limitada a chanchadas, masturbação mental de egos ou panfletos de esquerda

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A pergunta que não quer calar quando vejo alguma produção audiovisual argentina é: por que diabos não conseguimos fazer nada que chegue aos pés do que eles fazem?

Nossa produção é, com raríssimas exceções, limitada a três tipos —chanchadas, masturbação mental de egos narcísicos ou panfletos de esquerda. Chatinhos que dói.

Título: O espião e o zelador  A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica vetorial digital com cores chapadas.  Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, a ilustração apresenta uma estampa, estilo semelhante a um “patchwork” digital, composta de diversos elementos misturados, baseados nas bandeiras do Brasil e Argentina, seguindo as mesmas cores.
Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Pondé de 17.jul.2024. - Ricardo Cammarota

Não creio que nenhuma das ciências humanas expliquem essa diferença. Já ouvi coisas como "os argentinos quando foram ricos fizerem sua lição de casa com a educação pública". Não duvido que fizeram. Mas não acho suficiente. O Canadá tem escola pública possivelmente mais organizada do que a argentina e é um tédio politicamente correto absoluto.

"Muitos judeus e psicanalistas elevam o nível da reflexão crítica". Outra explicação que já me deram. Muitos judeus existem em alguns países e nem por isso eles estão metidos na produção audiovisual. Aliás, a Argentina goza de histórico antissemitismo e racismo em geral, largamente reconhecidos. Psicanalistas existem em toda parte. E muitos deles, aliás, como aqui e lá, são integrantes da óbvia elite de esquerda. Fossem eles a causa, o cinema argentino seria um tédio como o nosso.

A Argentina é um país muito parecido com o Brasil em suas misérias. A começar pelo Estado profundamente corrupto e uma sociedade violenta nas suas pequenas e grandes relações cotidianas. Sua economia tem estado bem pior do que a brasileira. Sua política, um lixo, como a nossa, com aspectos diferentes devido ao seu histórico peronismo de esquerda, de direita e de centro.

E aí? Qual a explicação para o audiovisual argentino dar de dez a zero no brasileiro? Não creio que consigam explicar isso. As ciências humanas são fracas epistemologicamente: não explicam nada.

Olhemos dois exemplos, razoavelmente recentes, de séries argentinas, ambas com duas temporadas, de 2022 e 2023. "Iosi, o Espião Arrependido", no Amazon Prime Video, e "Meu Querido Zelador", no Star+.

A primeira série é baseada em fatos, narra a história de um espião da inteligência argentina infiltrado na comunidade judaica —assim começa a primeira temporada e não vou dar spoiler já que se trata de uma série de suspense. A segunda é uma comédia de costumes que narra a história de Eliseu, zelador de um prédio de classe média alta em Buenos Aires.

No caso de "Iosi" são muitos os elementos relevantes da sua qualidade como produto audiovisual. Além do elenco, vale salientar o tratamento da corrupção e da truculência do Estado argentino que chega a tocar a Presidência da República em figuras como Raul Alfonsín e Carlos Menem. A história começa em 1985 e avança adentro do século 21. Reuniões entre membros corruptos do governo e criminosos se dão na Casa Rosada. Será mesmo que a corrupção dos Estados nacionais chega assim às cortes? Claro que sim.

Produções assim hoje no Brasil seriam processadas até pelos cachorros das famílias dos dignatários apontados na série, além de fazer alguns cardeais do STF babarem de desejo de provar o sangue dos autores, o que me leva a supor que a democracia argentina seja melhor do que a brasileira, não? Seria um atentado contra a honra como se diz por aqui. Mais um ponto para los hermanos?

No caso do "Meu Querido Zelador", entre outros inúmeros detalhes, vale apontar o casal "woke" de moradores do prédio. Exploradores da sua empregada —que recusam a usar o termo por considerar politicamente incorreto— nossos comedores de comida orgânica são uns escrotos. Seríamos nós capazes de expor de forma tão clara a canalhice da elite jovem "woke" no cinema brasileiro?

O casal lésbico tampouco é o modelo ideal de amor, como costuma aparecer, seja no audiovisual brasileiro ou mesmo americano. Uma delas é comedora de mulheres enquanto a parceira, médica, vai dar plantão.

A carpintaria dos personagens é sofisticada, o que faz com que fiquemos longe dos personagens clichês do audiovisual brasileiro. A oposição conservador/progressista passa longe, apesar de pulularem canalhas à direita e à esquerda. O Brasil está longe de chegar perto da Argentina.

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