Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária

Não consigo rir do palhaço Pagliacci porque sou o palhaço Pagliacci

A anedota que contam em 'Watchmen', de Alan Moore, esbandalha meu coração como um punhal em chamas

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Tantas piadas boas e tantas piadas ruins no mundo. É difícil separar o joio do trigo.

Às vezes, uma piada é tão ruim que acaba provocando o riso. Nós rimos de sua desgraça. E a piada fica ali, limítrofe, em sua vitória inglória, ou gloriosa derrota. Ela atingiu seu objetivo, o faz-me-rir, por ser tão infeliz. Se é boa, ou se é ruim, já não faz tanta diferença. É as duas coisas e nenhuma das duas ao mesmo tempo.

Imagem do quadrinho 'Watchmen', de Alan Moore - Divulgação

Dentre tantas piadas boas e ruins no mundo, existe uma única piada que me faz chorar. Por que a levo tão a sério? É uma piada. É uma piada? É inútil conter essa breve narrativa em classificações de gênero. Se é comédia ou drama, já não faz tanta diferença. É as duas coisas e nenhuma das duas ao mesmo tempo.

Para que as leitoras tirem suas próprias conclusões, compartilho o trecho ao qual me refiro, extraído da história em quadrinhos "Watchmen", de Alan Moore, que circula livre e impunemente pela grande rede mundial de computadores, arrancando lágrimas da colunista que vos escreve.

"Ouvi uma piada uma vez. Um homem vai ao médico, diz que está deprimido, que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico responde que o tratamento é simples: o grande palhaço Pagliacci está na cidade. Recomenda ao paciente que assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo. O homem se desfaz em lágrimas e diz: ‘Mas, doutor, eu sou o palhaço Pagliacci’."

A punchline "mas, doutor, eu sou o palhaço Pagliacci" esbandalha meu coração como um punhal em chamas. Bombas explodem, calotas polares derretem, e eu faço piadas para suportar o insuportável.

Não consigo rir da desgraça de Pagliacci, que sapateia à beira do abismo, diante de um público ávido por seus tropeços. Porque eu sou o Pagliacci.

Mas e se eu fosse o médico dessa história? O que diria a meu paciente, sabendo que se trata de um palhaço triste? Como seria o epílogo dessa piada, depois que desce o pano e rufam os tambores?

Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária de 10 de outubro de 2023 - Folhapress

Penso nos tantos amigos comediantes que este doce-amargo ofício me trouxe ao longo da carreira ao longo da carreira. Morro de rir quando as pessoas dizem que a gente deve se divertir o tempo todo.

Entre as muitas crises, tombos, dramas e mergulhos no abismo, minha trupe me oferece a resposta que eu daria ao palhaço Pagliacci na história: você não está sozinho.

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