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Relação com o plástico tem de mudar radicalmente

Reciclagem sozinha não vai evitar poluição letal do oceano; solução tem de incluir produtos sem embalagem, frascos retornáveis e veto total aos descartáveis

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Até 2040, o volume de plásticos no mundo pode dobrar e o que é jogado anualmente no mar deve chegar a 29 milhões de toneladas. Como resultado, a quantidade de plástico presente nos oceanos quadruplicará, atingindo mais de 600 milhões de toneladas daqui 20 anos.

Só com reciclagem, ainda que fosse possível atingir taxas altíssimas nesse intervalo de tempo, não será possível reverter a previsão de que em 2050 haverá mais plástico que peixe no mar.

É o que aponta o estudo “Breaking the Plastic Wave”. Realizada por organizações como a Pew Charitable Trusts, a Systemiq, a Fundação Ellen MacArthur, a Commom Seas e as universidades de Oxford e Leeds, a pesquisa constrói cenários com ações combinadas e simula os impactos respectivos.

Em linhas gerais, o estudo aponta que é preciso eliminar os plásticos de uso único e não só pelo corte de canudos e sacolas. Será necessário entregar produtos sem embalagem e usar embalagens retornáveis. Reduzir drasticamente o uso de plástico virgem, o que significa muito mais matéria reciclada na composição dos novos do que hoje. O uso de plásticos, diz o estudo, deve ser reduzido em cerca de 50% até 2040, na comparação ao cenário atual.

A produção dos plásticos tem de mudar. Todos os produtos devem ser reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis. A infraestrutura necessária para a coleta e a reciclagem deve ser prioridade para escapar da poluição letal do mar.

“Estratégias como reciclagem e a redução do uso de plásticos, aplicadas sozinhas, não serão suficientes para evitar esse cenário. O estudo oferece evidências claras a favor de um cenário de “mudança sistêmica”, que prevê uma economia circular para o plástico”, diz Sander Defruyt, líder da iniciativa Nova Economia do Plástico (New Plastics Economy) da Fundação Ellen MacArthur.

A iniciativa foi lançada em 2018 e tem mais de 450 signatários, entre elas gigantes dos ramos de alimentação, bebidas, cosméticos e limpeza. Através do Compromisso Global por uma Nova Economia do Plástico, empresas e governos se comprometem com metas tangíveis e mensuráveis até 2025 para acelerar a transição para uma economia circular do plástico.

No último dia 25, os Estados Unidos lançaram seu Pacto do Plástico da América do Norte, uma espécie de braço local do compromisso global, liderado pela The Recycling Partnership, com o apoio do World Wildlife Fund (WWF). Com 60 signatários, entre cidades, associações, centros de pesquisa e empresas como Amcor, Colgate-Palmolive, Danone, Kimberly-Clark, L’Oreal, Nestlé, Unilever e Walmart, o pacto divulgou metas ambiciosas e claras.

Entre elas: definir uma lista de embalagens consideradas problemáticas ou desnecessárias até 2021 e medidas para eliminá-las até 2025; garantir que todas as embalagens de plástico sejam 100% reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis até 2025; reciclar ou compostar 50% das embalagens de plástico até 2025 e garantir que a proporção média de conteúdo reciclado ou conteúdo de origem biológica de origem responsável em embalagens plásticas chegue a 30% até 2025.

Na entrevista a seguir, Defruyt detalha a pesquisa “Breaking the Plastic Wave”.

papelão flexível com design de favo de mel
Flexi-Hex é feito com polpa de papel 100% reciclada, em papelão flexível com design de favo de mel para ser usado como alternativa à dupla plástico-bolha + fita adesiva, sendo totalmente reciclável e compostável - Divulgação

CENÁRIOS

O estudo "Breaking the Plastic Wave” construiu um modelo para quantificar os fluxos globais de plásticos atuais e futuros. Os cenários descritos no estudo revelam que, se não fizermos nada para mudar o sistema de plásticos da atualidade, a quantidade de plásticos no oceano pode quadruplicar até 2040. Esses números corroboram a nossa estimativa de que até 2050 o oceano pode ter mais plásticos do que peixes.

Estratégias como reciclagem e a redução do uso de plásticos, aplicadas sozinhas, não serão suficientes para evitar esse cenário. O estudo oferece evidências claras a favor de um cenário de “mudança sistêmica”, que prevê uma economia circular para o plástico.

De acordo com o relatório, o cenário de economia circular poderia gerar benefícios significativos em comparação ao cenário atual, como uma redução de 80% do volume de plástico que chega aos nossos oceanos anualmente, uma economia anual de US$ 200 bilhões, uma redução das emissões de gases do efeito estufa na ordem de 25% e a criação de 700 mil empregos adicionais até 2040.

Alcançar esse cenário exigirá um alto nível de ambição e ações urgentes da indústria do plástico para criar uma economia circular para os plásticos, em que nunca se tornem resíduo ou poluição. Isto significa eliminar os plásticos dos quais não precisamos, inovar para garantir que os plásticos necessários possam ser reutilizados de maneira segura e circular todos os plásticos que usamos para que se mantenham na economia e fora do meio ambiente.

AVANÇOS DO COMPROMISSO GLOBAL

Ao longo dos últimos anos, vimos avanços de grandes atores da indústria em relação aos seus compromissos. A Coca-Cola, por exemplo, criou um mercado expressivo para garrafas PET retornáveis na América Latina com o lançamento da sua garrafa universal e desde então os formatos de embalagem de reuso passaram a representar 27% das vendas na região. A empresa investiu US$ 25 milhões no design de garrafas PET reutilizáveis e US$ 400 milhões para ampliar a sua infraestrutura de reuso.

A Danone também intensificou seus esforços voltados para formatos de reuso e o seu negócio de águas hoje utiliza esses formatos para cerca de 50% do volume de vendas. Em termos de inserção de conteúdo de plástico reciclado, a Nestlé alocou US$ 2 bilhões para incentivar o mercado a fornecer conteúdo de plástico reciclado de boa qualidade que possa ser usado para embalar os seus produtos alimentícios.

Empresas também estão avançando na eliminação de plásticos desnecessários. Cerca de 70% das marcas, varejistas e fabricantes de embalagens que assinaram o Compromisso Global e que utilizam (ou já utilizaram) canudos e sacolas plásticas ou plásticos de negro de carbono, já os eliminaram ou têm planos concretos para eliminar esses materiais do seu portfólio.

Ao estabelecer um nível mínimo de ambição necessário para a adesão das empresas e fornecer máxima transparência no processo, o Compromisso Global introduz um novo padrão para a luta das empresas contra os resíduos e a poluição por plásticos. A Fundação irá aumentar nível de ambição das metas para empresas e governos a cada 18 meses e encorajar os signatários a fazerem cada vez mais.

REFLEXOS DA PANDEMIA

No médio a longo prazo, é possível que a pandemia tenha um impacto significativo sobre a transição para uma economia circular do plástico. A baixa nos preços de petróleo pode tornar a reciclagem menos atraente de um ponto de vista econômico e a preocupação com a higiene pode resultar em resistência ao uso de embalagens reutilizáveis de modo geral (apesar de as evidências científicas indicarem a possibilidade de usarmos sistemas de embalagens retornáveis de forma segura se mantivermos normas básicas de higiene).

Também observamos alguns movimentos de reversão de legislações de banimento de plásticos de uso único desnecessários ou problemáticos ao redor do mundo, como a suspensão da lei municipal aprovada no início deste ano que proíbe plásticos de uso único em São Paulo.

Mas também observamos sinais positivos que indicam um movimento inverso —a garrafa retornável da Coca-Cola foi uma das linhas de produto menos afetadas durante a pandemia e, de forma geral, percebemos um maior entendimento da necessidade de uma mudança sistêmica para prevenir ou possibilitar o melhor enfrentamento de choques sistêmicos futuros (como aqueles que podem resultar das mudanças climáticas e poluição).

Esse último ponto pode ser um fator relevante para guiar investimentos em pacotes de estímulo em direção a uma economia circular e mais resiliente. À medida que comunidades ao redor do mundo reagem rapidamente à propagação do vírus, identificamos movimentos positivos como a aceleração de leis em apoio a soluções necessárias e mudança comportamental em grande escala.

COMO COMBATER A POLUIÇÃO MARINHA

Grande parte dos esforços para combater a poluição por plásticos até hoje se concentrou em melhorar a gestão de resíduos e organizar ações de limpeza de praias e rios. No entanto, as nossas pesquisas anteriores revelaram —e o estudo “Breaking the Plastic Wave” agora reforça— que o problema da poluição por plásticos começa muito antes de o plástico alcançar o oceano e as soluções devem fazer o mesmo.

Uma economia circular do plástico é uma abordagem robusta que considera cada etapa da jornada de um produto —antes e depois de chegar ao cliente. Além de ser crucial para o combate à poluição por plásticos, essa abordagem oferece os melhores resultados econômicos, ambientais e climáticos. A reciclagem é uma parte dessa equação, mas sozinha não é suficiente, especialmente se considerarmos os desafios de infraestrutura que podem atrasar ações necessárias contra a poluição por plásticos. Por isso, a Fundação pede que empresas e governos tomem ações urgentes e ambiciosas em três áreas:

  • Estabelecer metas claras para a redução do uso de plásticos virgens, apoiadas por modelos de reuso ou eliminação;
  • Multiplicar e garantir a implementação efetiva de mecanismos de financiamento que ampliem a coleta e reciclagem, como esquemas de responsabilidade estendida do produtor e outras alternativas impulsionadas pela indústria;
  • Intensificar os esforços de inovação significativamente, com foco em novos modelos de entrega e novos materiais

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