Na noite do dia 7 de julho de 1998, havia um clima de quase euforia entre jornalistas brasileiros. A seleção havia acabado de eliminar a Holanda na semifinal e, para a maioria, isso significava que o penta estava na mão. Quase ninguém imaginava que a França poderia ganhar a final.
Naquela época, os Azuis eram quase café com leite no futebol. Seis Copas depois, estão a um passo de derrubar um feito que só Brasil e Itália conseguiram: duas taças do mundo em sequência.
Como a França chegou lá? A resposta mais fácil é Clairefontaine, o famoso centro de formação de jogadores da federação francesa (FFF). Lá são desenvolvidos os jovens mais promissores, que depois são repassados aos clubes. Hoje, há muitos outros centros de formação, mas a FFF ainda tem um papel de coordenação, ao contrário do Brasil.
A capacidade de formar jogadores, em especial na região da Grande Paris, torna a França há algumas Copas o país de origem mais frequente entre jogadores no Mundial. Na Copa de 2018, houve 50 nativos da França. No Qatar, o número subiu para pelo menos 56.
No Brasil, o foco desde o início é fazer do garoto numa fonte de renda para a família —a maioria dos meninos não chegará lá. A cobrança é tão grande que um fenômeno como Neymar, aos 30, já pensa em reduzir seu ritmo. Afinal, está no holofote desde os 13.
Por causa da busca pelo dinheiro, no Brasil futebol é negócio desde antes do infantil.
E o que aprender da Argentina? Seus dirigentes esportivos são ainda piores do que os do Brasil. O planejamento é pior, o campeonato é pior, o dinheiro é menor.
Mas na Argentina ainda subsiste a mística, uma fé nos valores maiores do futebol, o sonho de um jogo mágico, o sentido de comunidade de igualdade entre todos os torcedores.
Essa fé comum faz com que as torcidas se sintam parte dos clubes, e assim torcem sempre. E só cobram quando tudo está perdido. Aos jogadores é cobrado apenas empenho.
Ao contrário, os torcedores brasileiros, em especial os de classe média, agem como clientes em seu próprio estádio. Especialmente depois que os estádios passaram a ter mais conforto e preços maiores, os torcedores exigem a vitória como contrapartida do valor do ingresso.
Esses torcedores não empurram o time, mas são puxados por ele. Há exceções, claro, a mais famosa é a torcida do Corinthians.
Na Copa de 2014, a pergunta que mais respondi a jornalistas estrangeiros foi: "Por que a torcida brasileira vaia tanto a sua seleção?" (bem antes dos 7 a 1). A resposta era que os brasileiros não gostam de se sentir parte da derrota. Quando a equipe começa a enfrentar dificuldades, brasileiros se desconectam dela vaiando.
Curiosamente, antigamente, há 50 anos, essa união existia, a julgar pelos relatos e imagens.
O jornalista britânico Tim Vickery disse no SporTV que isso tem a ver com a história de escravidão. Seu argumento foi rejeitado de pronto, mas acho que valeria ser mais bem analisado.
Afinal, sobrevive a ideia de que jogador é "um empregado", e não o representante de uma enorme família, sonho ou religião chamada clube ou país.
O falso moralismo contra os cabelos pintados, dancinhas e restaurantes caros é um bom ponto de partida para investigar por que agimos assim.
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