Marcelo Damato

Marcelo Damato tem 35 anos de jornalismo. Dedica-se à cobertura do poder, no futebol e fora dele

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Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

Crítica de Roy Keane a danças virou ataque letal à pátria de chuteiras

Dizer que algo é ofensivo não pode ser considerado ofensivo

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Um comentário do ex-jogador Roy Keane, ídolo do Manchester United, sobre as comemorações brasileiras dos gols gerou uma onda de raiva no Brasil.

Keane disse que considerava as danças ofensivas aos adversários. Criticou Tite. Não xingou, nem se estendeu. E até choveu no molhado. Há décadas que as danças pós-gols têm sido criticadas por uns e defendidas por outros. Eu gosto.

De imediato, jornalistas brasileiros reagiram como se o Brasil estivesse sob ataque. Mais que defender as danças, procuraram desqualificar o "agressor". Tacharam Keane de racista e recuperaram lances em que o então volante agiu com grave violência intencional.

Nessa confusão, até o técnico português Luis Castro, comentarista do SporTV nesta Copa, se manifestou. Criticou Keane de modo firme, mas não o desqualificou.

É chocante o ataque à expressão de uma opinião. Dizer que algo é ofensivo não pode ser considerado ofensivo. E o ataque à pessoa é intolerável. Se Keane tivesse elogiado a seleção, também iriam recuperar as suas entradas criminosas?

Vinicius Junior, Raphinha, Paquetá e Neymar dançam em campo
A tão falada dança dos brasileiros no jogo contra a Coreia do Sul - Pablo Porciuncula/AFP

Esse ataque é mais preocupante porque, no Brasil, a defesa da liberdade de expressão está no seu ápice. Todos os setores, direita, esquerda, e principalmente jornalistas, protestam contra os ataques que sofrem ao tentar exercer esse direito.

E foram jornalistas que atacaram o comentarista estrangeiro.

Esse nem é o primeiro caso. Ao longo das Copas, ou mesmo fora delas, houve outros episódios. Se algum estrangeiro critica um brasileiro, vários jornalistas saem em sua defesa. E a desqualificação é a praxe ("o que esse cara ganhou para poder falar isso do Neymar?").

Já estivemos do outro lado. Em 1996, no "jogo do aviãozinho", o técnico Zagallo tomou como ofensa a comemoração do técnico sul-africano nos dois gols do seu time. Quando o Brasil reagiu e virou o jogo, Zagallo e auxiliares fizeram uma esquadrilha na beira do campo a cada gol brasileiro. Não houve crítica a Zagallo pela atitude.

É claro que há críticas que merecem repúdio forte. Em setembro, um comentarista espanhol chamou as dancinhas de Vini Jr de algo como "macaquices". Depois, ao ver a reação, pediu desculpas, mas era tarde. A reação foi forte, mas não se vasculhou o passado do jornalista.

Outro ponto intrigante para mim é por que damos tanta importância à opinião de um único estrangeiro? E não é só quando critica. Quando o que vem é um elogio, cria-se um clima de deleite e gratidão.

Do ponto de vista cultural e da imagem internacional, o Brasil está no topo do mundo do futebol. Tem muito a progredir e pode aprender com os outros. Mas o nosso dia não pode ser ganho ou perdido porque alguém, a 10 mil km, expressou uma opinião.

A autoimagem nacional não pode depender dessa maneira da opinião alheia.

Impossível não lembrar do conceito de "complexo de vira-lata", que Nelson Rodrigues estabeleceu há mais de 60 anos.

Imagine se os jornalistas holandeses reagissem da mesma forma à chuva de comentários desabonadores sobre o uniforme de sua seleção vindo das narrações brasileiras...

Quando vamos deixar de nos sentirmos inferiores? Se uma pessoa X não gosta de algo do Brasil, tudo bem. Escutamos, avaliamos e seguimos em frente.

E vamos em frente, que ganhar da Croácia é o que importa agora.

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