Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Marcelo Coelho

Depois do pragmatismo, lulistas entram em fase de radicalização e de confronto

Crédito: André Stefanini/Folhapress

Compreende-se a revolta das áreas petistas após a condenação de Lula –e o ideal seria que os advogados dessem um jeito de garantir, pelo menos, sua candidatura neste ano.

Parte do PT e de suas adjacências parece apostar, enquanto isso, numa tática de confronto. Minha impressão é que tudo se resume a uma bravata –mas a psicologia da coisa, e suas consequências, merecem algum comentário.

Minha impressão é que, quanto mais se radicalizam, petistas e simpatizantes ficam isolados.

Começam a esboçar movimentos para se afastar do campo democrático –justamente quando Bolsonaro e companhia pedem coordenação de esforços.

A revolta, o confronto e a violência resultam de uma sensação generalizada nesse campo: a de que o jogo democrático está perdido. Lembra a criança que, depois de algumas derrotas, faz cara feia e diz "não brinco mais".

Voltando um pouco atrás, o movimento mental e político do PT se deu em quatro tempos. Primeiro, havia o sonho, a utopia, a ideia de uma "nova maneira de fazer política", a confiança nas bases e na democracia interna, a incansável denúncia da corrupção alheia.

Num segundo momento, decidiu-se que era preciso ganhar a Presidência, aliar-se com quem fosse possível, ignorar as resistências da base partidária. Marco desse processo ocorreu em 1997, quando José Dirceu impôs o nome de Anthony Garotinho ao diretório estadual do Rio, que queria Vladimir Palmeira como candidato a governador.

O "pragmatismo político" se revelou vitorioso em 2002, e é como se o lulismo tivesse entrado num longo estado de embriaguez com a "realidade". Os petistas brincavam que o PSOL, mais principista, estava "no mundo da PLUA". Sentiam-se adultos e fortes, como todo mundo que alcança posições de poder.

A realidade, naturalmente, é suja –e eles mergulharam até o pescoço dentro dela. Até os olhos, para dizer melhor.

Pois o extremo do realismo vem junto com uma incapacidade de enxergar o real. O realismo exige caixa 2, corrupção, vinho francês com Duda Mendonça e tapinhas na barriga de Leo Pinheiro. Mas você faz de conta que isso não existe.

O PT, ou melhor, os petistas (pois a liderança sabia bem o que estava fazendo) entram em negação dos fatos, sustentando a sério que Lula era apenas um "comprador potencial" do apartamento que Leo Pinheiro mandou reformar para ele.

E Dilma Rousseff, que tentara um ajuste ortodoxo com Joaquim Levy, foi tirada do poder "porque estava do lado do trabalhador e contra as reformas liberais". Negada a realidade, é natural que se passe à radicalização. Esquecem-se as correlações de força, as chances de vitória, os próprios motivos da luta.

Intelectuais decretam solenemente que a via da conciliação é impossível para a esquerda. Deveriam, sim, dizer que sem futuro para a esquerda é entregar-se à corrupção.

Defende-se com unhas e dentes não uma utopia, mas um tríplex no Guarujá.

Com a prática da centralização decisória, com o abandono da autonomia das bases partidárias, com o descaso frente à tarefa da organização local, duas consequências não poderiam deixar de acontecer.

A primeira é que se fortalece o segredo de cúpula contra o exame público das opções tomadas. O inconfessável vence a transparência, a mitologia esmaga a verdade. É a clássica história dos antigos partidos de esquerda, que o PT, inicialmente, pensava superar.

A segunda é que o partido passa a depender da figura de seu único líder, infalível e inimputável.

Fui contra o impeachment de Dilma Rousseff, porque ela tinha pouca culpa, e considero correta a condenação de Lula, porque ele tem bastante.

Continuo a me considerar de esquerda, e não acho que para isso seja necessário esquecer as irresponsabilidades, erros, traições e malandragens que a cúpula do PT cometeu, não por moderação, mas por autoritarismo, conforto, interesse e arrogância.

Ah, o PT foi "injustiçado"? Então vamos seguir o raciocínio. Sobra uma liderança com experiência, honestidade e firmeza de princípios para candidatar-se. "Contra a vontade popular", tiraram-na do poder. É Dilma Rousseff. Podia ser candidata, não? O que acham, companheiros?

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