Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Cofre das sementes comemora 10 anos e 1 milhão de amostras

Objetivo do incomum banco é a segurança alimentar de gerações futuras

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O governo de um país com pouco mais de 5 milhões de habitantes aceita gastar US$ 9 milhões para construir uma fortaleza gelada na qual guardar sementes vindas do mundo inteiro, para sempre, como um seguro para a agricultura mundial. Tudo de graça e sem ter nenhum direito sobre elas.
 
Parece mentira, mas tal coisa existe. Há dez anos, completados nesta segunda-feira (26), quando esse banco incomum ultrapassou a marca de 1 milhão de depósitos realizados.

Escultura de gelo de urso polar na entrada do Cofre Global de Sementes
Escultura de gelo de urso polar na entrada do Cofre Global de Sementes - John McConnico/AP


 
Não é o primeiro ato de generosidade da Noruega para o planeta: a nação nórdica já reservou US$ 1 bilhão para custear projetos ambientais no Brasil, o Fundo Amazônia. Perto disso, parece troco o custo do Cofre Global de Sementes na ilha norueguesa de Spitsbergen, arquipélago de Svalbard, a meio caminho entre a costa da Noruega e o polo Norte.
 
Verdade que muito da renda que a Noruega tem sobrando provém da extração de gás natural e petróleo no Ártico. Embora o país exporte a maior parte desses combustíveis fósseis, pois sua matriz energética é muito limpa (quase toda a eletricidade vem de usinas hidrelétricas), eles são queimados em algum lugar e, assim, contribuem muito para agravar o aquecimento global.
 
Estocadas em envelopes selados de alumínio impermeável a 5% de umidade e a -18°C, sementes ainda podem germinar 30 anos depois, ou mais. Há centenas de instalações no mundo para conservá-las, a exemplo do Cenargen (Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia), em Brasília, mas nenhuma como o cofre-forte de Svalbard.
 
Faz muito frio em Spitsbergen —mesmo no verão os termômetros não vão muito além de 7°C. No interior de um túnel de 120 m montanha adentro, o frio é maior, e a variação, mínima, o que ajuda a economizar gastos com refrigeração.
 
É muito longe e caro chegar a Svalbard, o que reduz a chance de ataques ao cofre. No entanto, há boa infraestrutura em Longyearbyen, vila com minas de carvão, porto e aeroporto da qual a fortaleza dista meros 5 km.
 
Como a instalação administrada pela ONG Global Crop Trust (sede na Alemanha) conserva amostras-duplicatas dos principais bancos de sementes internacionais, ela contém por natureza mais diversidade genética que qualquer um deles de forma isolada.
 
Só nesta segunda-feira do aniversário o banco recebeu, em uma cerimônia especial, 76.330 amostras em 179 caixas provenientes de 25 instituições em 22 países.
 
Estão agora armazenados na montanha gelada 967.216 envelopes lacrados cheios de caroços, que só os depositantes podem pedir para retirar. Assim ocorreu com milhares de amostras provenientes de Aleppo, na Síria, sacadas do cofre para reconstituir o acervo no Líbano e em Marrocos, em local menos inseguro que uma nação em guerra civil.
 
Não fosse por essa retirada, o cofre de Svalbard guardaria ainda 1.059.646 saquinhos de sementes. Uma fortuna de valor incalculável para a segurança alimentar de gerações por vir.

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