Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Vacina da febre amarela pode proteger contra vírus da zika

Estudo foi conduzido por pesquisadores da UFRJ e da Fiocruz

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Matar dois coelhos com uma cajadada, ou dois vírus com uma vacina. É o que sugere ser possível um estudo divulgado em 25 de março na internet –e não são dois vírus quaisquer, mas o da zika e o da febre amarela.

Os pesquisadores da UFRJ e da Fiocruz, coordenados por Jerson Lima Silva, descobriram que a vacina já em uso contra a febre amarela consegue evitar também a infecção por zika em animais.

O artigo saiu num diretório de acesso aberto, o bioRxiv.org. A equipe avaliou que a informação era relevante demais para permanecer meses em avaliação por periódicos especializados.

Por ora a demonstração ocorreu apenas com camundongos. Não há razão, porém, para acreditar que o mesmo tipo de proteção cruzada, como dizem imunologistas, não se repita em humanos.

“Pode [não funcionar], mas é improvável”, diz Silva. Ele qualificou o achado como um ovo de Colombo.

A hipótese de que a vacina da febre amarela pudesse atuar contra a zika se baseou numa pista: os vírus pertencem à família dos flavivírus e são muito semelhantes, o bastante talvez para que a imunização contra um deles treinasse as células de defesa a agir contra o outro.

“O Jerson [coordenador do estudo] falou: como os vírus são muito similares, por que a gente não testa a vacina da febre amarela?”, afirmou num comunicado de imprensa Hildemagna Guedes, da UFRJ, uma das coautoras. O grupo usou dois tipos de camundongos, animais saudáveis e outros com deficiências no sistema imune, mais vulneráveis a uma infecção grave.

Cada conjunto foi dividido em dois subgrupos, um que recebeu a vacina da febre amarela por injeção subcutânea e outro tratado com placebo (uma solução salina). Todos tiveram então o vírus da zika injetado no cérebro, algo capaz de provocar uma virose com boa chance de ser letal.

Entre os roedores imunocompetentes, não se observaram sintomas, e a carga viral no cérebro foi baixa, em comparação com os que receberam placebo. Nos animais com deficiência imunológica, houve redução no número de mortes e perda de peso depois revertida –enquanto a maioria dos não vacinados morria.

Há vários grupos no mundo trabalhando no desenvolvimento de vacinas contra a zika, mas nenhum passou da fase 2 de testes clínicos. Isso quer dizer que ainda não ocorreram os estudos com grandes grupos humanos necessários para obter autorização de órgãos como FDA (EUA) e Anvisa (Brasil) para serem aplicados nas populações em risco.

A pesquisa da UFRJ e da Fiocruz aponta agora para uma saída potencialmente muito mais rápida e barata: usar a vacina amarela já aprovada e disponível. Mas antes será preciso verificar se a proteção cruzada ocorre também em macacos, uma investigação bem mais cara.

O estudo consumiu de R$ 300 mil a R$ 500 mil, na estimativa de Silva (seu grupo conta com financiamento de várias fontes –Faperj, CNPq e Finep, entre outras– para diferentes estudos). Ele calcula que uma pesquisa com primatas ficaria em mais de R$ 1 milhão.

Parece muito? Nada disso. Imagine quanto o sistema de saúde pouparia, com recurso a uma vacina de prateleira, e quanto não teria sido possível economizar, em dinheiro e sofrimento, se milhares de crianças e seus pais tivessem escapado do destino cruel da microcefalia e de outras sequelas da zika.

A epidemia de zika que assolou o Brasil a partir de 2015 concentrou os casos de microcefalia no Nordeste. Das 3.100 crianças e recém-nascidos afetados, 58,5% eram nordestinas.

A epidemia arrefeceu desde então, mas, assim como a dengue e a febre amarela, não desapareceu –e pode voltar com força. Em janeiro e fevereiro deste ano, registraram-se no país mais de 2.000 casos prováveis de infecção com esse vírus.

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