Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Pinhão é a próxima vítima da crise do clima

Estudo britânico indica que araucárias podem desaparecer até o ano 2070

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Qual é a sua árvore preferida? Meu coração oscila entre os ipês (gênero Tabebuia) e as araucárias (Araucaria angustifolia), também chamadas de pinheiro-do-paraná. Na época do pinhão, porém, a dúvida desaparece.

Foi com alarme, portanto, que soube por Luís Fernando Tófoli do estudo de Oliver Wilson, da Universidade de Reading (Reino Unido), apontando o ano 2070 como prazo para a extinção das araucárias. Mais precisamente, para sua sobrevivência em poucos refúgios --isso se houver proteção adequada.

Poucos prazeres se comparam com caminhar numa trilha serrana do Sul e do Sudeste do Brasil e catar pinhões dispersos pelo chão úmido, recém-caídos da bola de 15-20 cm (pinha) que estoura com o calor do sol. Melhor que isso, só mesmo saborear uma farofa de pinhão fresco (receita no final do texto).

Pequenos roedores e pássaros se alimentam dos pinhões e ajudam a espalhar as sementes que darão origem a novas araucárias
Pequenos roedores e pássaros se alimentam dos pinhões e ajudam a espalhar as sementes que darão origem a novas araucárias - Vitor Pamplona / Flickr

Não faltam motivos para reverenciar araucárias. O porte imponente das árvores e o formato incomum de candelabro enfeitam algumas das paisagens mais bonitas do sul do Brasil. Pequenos roedores, como os serelepes, e pássaros, como a gralha-azul, se alimentam dos pinhões e ajudam a dispersar as sementes.

As araucárias estão por aí há 28 milhões de anos, um tipo de fóssil vivo. Como escreveu Wilson num artigo, se esse período fosse comparado a um dia de 24 horas, as Américas do Norte e do Sul só se uniriam às 21h30, e a espécie humana surgiria às 23h45.

Pinhões compunham parte crucial da dieta e dos rituais dos caingangues, que um dia vicejaram ao sul do rio Tietê, até as terras gaúchas. A rápida expansão das araucárias pela região, a partir do ano 1000, pode ter resultado do manejo da espécie por esses índios do grupo linguístico Jê.

Ainda hoje o pinhão tem papel de destaque na cultura e na culinária, como sabe quem já foi a uma festa junina em São Paulo. Em Santa Catarina, come-se o delicioso entrevero serrano. Estima-se que a produção comercial seja da ordem de 10 mil toneladas por ano, com valor de mais de R$ 20 milhões.

As araucárias gostam de frio e umidade, por isso só ocorrem nas áreas de mata atlântica mista das serras e suas grotas e nos campos de altitude, como em Campos do Jordão (SP) e São Joaquim (SC). Com o aquecimento paulatino da atmosfera em virtude da mudança do clima, seu habitat tende a desaparecer.

Área de mata atlântica na serra da Cantareira na zona norte de São Paulo. Entre suas diversidades de especies se pode observar diversas araucárias
Área de mata atlântica na serra da Cantareira na zona norte de São Paulo. Entre suas diversidades de especies se pode observar diversas araucárias - Eduardo Knapp/Folhapress

Habitat, aliás, que já perdeu para o desmatamento mais de 90% da superfície original, sobretudo pela extração da boa madeira do pinheiro entre 1870 e 1970. A espécie figura como ameaçada de extinção na lista do Ibama.

Wilson e seus colegas de Reading e do Brasil usaram várias simulações de computador para predizer que as áreas favoráveis remanescentes deverão encolher a quase zero nos próximos 50 anos.

Com ajuda de mapas topográficos, identificaram setores em que o sombreamento e a proximidade de cursos d'água devem criar condições locais, ou microclimas, para que sobrevivam. O galho é que só 2,5% desses refúgios se encontram protegidos como unidades de conservação (UCs).

Eis aí um bom motivo para criar novas UCs --salvar as araucárias. Mas ninguém acredita nisso em tempos de hegemonia rural-bolsonarista.

Agora, a receita prometida. Corte e jogue fora as pontas dos pinhões. Cozinhe-os na panela de pressão por 30 minutos, com sal. Deixe esfriar e descasque. Passe os grãos na parte do ralador que produz fios; há quem prefira transformar em pó, com ajuda de um processador.

Frite cebola picada e cubinhos de bacon na manteiga. Junte o pinhão ralado. Ponha mais manteiga, tempere com sal e mantenha no fogo até a farofa dourar. Vai bem com carne de porco, arroz e feijão.

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