Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Previsões acertaram aquecimento global

Imprensa foi peça decisiva na engrenagem de empulhação montada pelos negacionistas da crise do clima

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Atire a primeira pedra de sal quem nunca ouviu –ou repetiu– um destes pseudoargumentos contra a ideia de aquecimento global causado pelo homem:

  • cientistas da área não são confiáveis, ganham mais verbas quando criam alarme;
  • não existe aquecimento global;
  • se existir, a culpa não é nossa;
  • não é tão grave assim;
  • nada conseguiremos fazer a respeito.

O primeiro item representa a pedra angular dos mal denominados céticos. Sem ele ruiria o edifício de dúvidas cimentado durante meio século por esses profissionais do negacionismo, não raro ligados ao ramo do petróleo ou radicados no lado direito do espectro político.

 
Seu alvo predileto eram os modelos de computador para predizer a elevação da temperatura média global em consequência do aumento da concentração na atmosfera dos gases do efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2). As projeções seriam exageradas e crivadas de incertezas, a ponto de as invalidar.
 
Levantamento publicado quarta-feira (4) no periódico Geophysical Research Letters comprova que os negacionistas estavam errados e que os modelos estavam certos. Entre os autores estão dois pesquisadores, Zeke Hausfather e Gavin Schmidt, conhecidos por seu combate às batatadas dos supostos céticos.
 
Na companhia de Henri Drake e Tristan Abbott, avaliaram o desempenho de 17 simulações do clima publicadas entre 1970 e 2007, com predições que se estendiam até 2017. Fizeram isso comparando as projeções de temperatura média na superfície do planeta com o que de fato se medira até então.
 
De cara, constataram que 10 dos 17 modelos tinham acertado bem como a temperatura se comportaria nas décadas seguintes. O passo seguinte foi refinar a análise incluindo uma verificação da acuidade das projeções neles embutidas sobre a evolução das emissões de CO2.
 
Nada mais justo. Essa variável, afinal, depende da ação humana. Seria muita malandragem criticar os modelos por errar no aumento da temperatura porque não foram capazes de predizer o quanto nós todos continuaríamos viciados em queimar combustíveis fósseis –além de torrar florestas por nada, como no Brasil.
 
Após incluir a ponderação, Hausfather e cia. constataram que 14 dos 17 modelos acertariam o que apareceria nos termômetros nos anos e décadas seguintes, caso utilizassem as emissões realmente ocorridas. Nada mau, ou pelo menos bem melhor do que modelos de computador que economistas empregam para prever a taxa de câmbio ou o crescimento do PIB anos à frente.
 
Noves fora, os negacionistas conseguiram seu objetivo. Como diziam o que os donos do poder e do dinheiro queriam ouvir, lograram adiar por muito mais tempo do que seria prudente medidas para reduzir as emissões de carbono.
 
Sua manipulação intelectual, uma verdadeira guerrilha contra a credibilidade da ciência, ainda encontra eco no despreparo (ou nas más intenções) de gente poderosa como Donald Trump, Vladimir Putin e Jair Bolsonaro. Um legado que causa e ainda vai causar muito sofrimento –furacões mais intensos, ondas de calor mortíferas, incêndios florestais frequentes.

 
A imprensa, ou parte significativa dela, foi peça crucial nessa engrenagem de empulhação. Conhecedores do culto superficial ao “outro lado”, negacionistas atacaram o flanco aberto para plantar sementes de dúvida na opinião pública. Sem a menor vergonha.
 
Soa como acusar ONGs de incendiar a Amazônia ou derramar petróleo? Pois é. 

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