Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Nuvens sinistras de Porto Alegre a Alter do Chão

Com os exemplos na Praça dos Três Poderes, não espanta que a Polícia do Pará arme operação contra quem defende a floresta

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O que a decisão do TRF-4 sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Porto Alegre, tem a ver com a prisão de quatro rapazes brigadistas de incêndio em Alter do Chão (PA), a 3.000 km de distância?

Tudo. São sintomas congruentes de uma metástase que corrói as instituições no Brasil. E o tumor primário está no Planalto.

Nem é o caso de entrar no mérito da decisão do tribunal gaúcho, se Lula tem culpa ou não no caso do tríplex. Os juízes fizeram pouco caso do Supremo Tribunal Federal (STF), e só isso já foi demais.

Verdade que os integrantes do STF não têm contribuído para dar solidez institucional à Corte Suprema do país. Seus ministros agem como se fossem 11 plenários estanques, cada um se valendo de decisões monocráticas e pedidos de vista, para avançar ou parar os processos em que depositam interesse, com desprezo pelo colegiado.

A história recente ensina que não faltam magistrados dispostos a alijar Lula das eleições ou a livrar milicianos da cadeia, custe o que custar. Para eles, e para milhões de desavisados que os apoiam ou votaram em Jair Bolsonaro, os fins justificam os meios. Vale até ameaçar com envio de cabos e soldados para tentar fazer com que se agachem.

Com os péssimos exemplos exibidos na Praça dos Três Poderes, não espanta que a Polícia Civil do Pará arme uma operação tão frágil quanto a Fogo no Sairé contra ONGs de Alter do Chão. Deu pena ver um dos lugares mais lindos do Brasil transformado em palco provisório dessa interminável tragicomédia.

Nem Ministério Público nem Polícia Federal têm indícios de que os brigadistas que se arriscaram ao lado de bombeiros para combater queimadas iniciaram os incêndios. Para encarcerar militantes ambientais e dar verossimilhança à fantasia presidencial de que são eles os inimigos da floresta, intrépidos agentes paraenses forçaram a interpretação de trechos de conversas grampeadas e contaram de início com a conivência de um juiz.

O magistrado estadual paraense, de uma família de madeireiros, manteve a prisão preventiva dos quatro de Alter. Eles permaneceriam enjaulados por pelo menos mais dez dias, prazo para que a Polícia Civil conclua o inquérito, mas o governador do Pará destituiu o delegado, e o juiz libertou os presos no dia seguinte.

Mesmo depois da soltura, o presidente da República e seu filho 03 ainda tuitavam sobre a operação, como se a mera prisão constituísse prova de culpa e corroborasse a tese bolsonarista de que as ONGs puseram fogo na Amazônia. Uma deputada federal do mesmo bando corroborou a tese numa reunião da ONU em Berlim.

Não será surpresa se a investigação der em nada, tantas são as indicações de que não passa de manobra diversionista. Dará em nada também para os agentes públicos que a orquestraram e os que propagaram a fraude.

Neste país, juízes, mandatários, promotores e policiais fazem o que bem entendem. Não temem nem os controles da Constituição ou pelos próprios pares, em geral coniventes com os abusos, por corporativismo, ideologia ou falta de coragem.

Enquanto isso, seguem livres os grileiros, madeireiros e fazendeiros que organizaram o Dia do Fogo, em agosto, por meio de um grupo de mensagens documentadas, na região de Novo Progresso (que não se perca pelo nome). No mesmo estado do Pará, campeão do desmatamento, só o jornalista que denunciou a organização criminosa terminou ameaçado.

A nuvem sombria do arbítrio, da truculência e da desfaçatez se estende de Porto Alegre a Brasília e Alter do Chão e ameaça cobrir todo o país. Ninguém precisa mais de peneira para tapar o sol, pois a cegueira voluntária de milhões os faz crer que a Aliança pelo Brasil-BBB –bala, boi e Bíblia– salvará todos que sobreviverem à barbárie.

Acordem. Abram os olhos. Hoje são os meninos de Alter, mas amanhã serão seus filhos e irmãos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília –ou Curitiba e Porto Alegre. Até quando continuaremos todos agachados?

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