Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Precisamos estudar psicopatas bem-sucedidos

Todos nós carregamos traços psicopáticos, o problema está na quantidade deles

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O leitor que só enxerga a vida pelo prisma da política vai achar que a coluna é sobre um secretário de Cultura que plagiou de Goebbels a frase, o filmete e o projeto cultural heroico-nacionalista. Ou sobre um presidente que o elogia de noite e demite de manhã, por um “pronunciamento infeliz”. Mas não é.

Venho tentando restringir e diversificar as fontes de novidades sobre o mundo, a política e a ciência. Após anos com os suspeitos de sempre no Brasil, nos EUA e na Comunidade Europeia, assinei um boletim por correio eletrônico (traduzindo para o português: newsletter por e-mail) sobre pesquisa na... Escandinávia.

Uma lufada de ar fresco, às vezes congelante. Na quarta-feira (15), a ScienceNordic presenteou leitores com a reportagem “Deveríamos dedicar mais tempo estudando psicopatas bem-sucedidos, diz a psiquiatra forense Randi Rosenqvist”.

O ator Anthony Hopkins, no papel de Hannibal Lecter, em cena do filme "Dragão Vermelho"
O ator Anthony Hopkins, no papel de Hannibal Lecter, em cena do filme "Dragão Vermelho" - Glen Wilson/Universal Studios/Reuters

Para começo de conversa, a especialista diz não gostar do termo “psicopata”. Prefere “portador de muitos traços psicopáticos”. Não é desvio psicologicamente correto, é conhecimento de causa.

Rosenqvist passou a vida profissional, até a aposentadoria, em contato com gente rica em traços psicopáticos, porém malsucedida: criminosos flagrados. O mais famoso foi Anders Behring Breivik, atirador de extrema direita que matou 77 adolescentes numa ilha norueguesa em 2011.

A psiquiatra explica que descarta o termo “psicopata” porque todos nós carregamos traços psicopáticos. O problema, acrescenta, está na quantidade dessas características.

Não existe fronteira clara entre uns e outros, categórica o bastante para tranquilizar o público. Somos ansiosos por explicações essencialistas, preto-no-branco: ou é, ou não é.

Enquanto ficarmos presos a essa visão, deixaremos passar despercebidos todos aqueles que não são obviamente psicopatas porque bem-sucedidos. Por isso precisamos estudá-los.

É preciso deixar claro, mais uma vez, que esta coluna não trata do secretário, do presidente nem de seus ministros. Quem insistir na leitura malévola ganha uma passagem só de ida para Svalbard, no inverno, e com uma mala lotada de sungas de praia (há que imitar Elio Gaspari quando se desconhece a arte da ironia).

Rosenqvist está convencida de que o cérebro do portador de muitos traços psicopáticos funciona de modo diverso da massa cinzenta de quem tem poucos. A reportagem da ScienceNordic cita outra pesquisadora, Marianne Kristiansson, do Instituto Karolinska da Suécia, que estuda isso.

Kristiansson acaba de publicar um livro com o título “O Psicopata – A Realidade Além do Mito”. Ela diz que é tudo ainda preliminar, mas que imagens do cérebro dessa gente sugerem alterações em áreas que controlam medo e reações a ameaças, como a amídala.

Também estariam alteradas regiões cerebrais que controlam o corpo, como a ínsula. As duas discrepâncias talvez expliquem a falta de empatia e a farta capacidade de manipulação e dissimulação.

As limitações de tais estudos surgem com as amostras enviesadas, que se compõem em geral de facínoras pegos e presos. A comparação com cidadãos normais fica prejudicada pela falta de pesquisa específica sobre os portadores de muitos traços espertos o suficiente para não serem surpreendidos.

Repito pela última vez que a coluna nada tem a ver com Goebbels e seus discípulos no Brasil. Mas é certo que Kristiansson poderia aumentar o “n” de suas investigações se gritasse “pega fascista!” numa reunião ministerial no Planalto.

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