Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu Coronavírus

Queiroz, corona e casacos de peles

Humanos infectam minques na Holanda, que manda matar 500 mil animais

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O Brasil tem menos de 3% da população da Terra, 12% dos casos de Covid-19 e 11% dos mortos pelo novo coronavírus. Passam de 1 milhão os infectados em quatro meses, com mais de 50 mil óbitos, mais do que todas as 40.721 vítimas do trânsito em 2019.

A pandemia deveria ser nosso único assunto, se este país tivesse gente equilibrada. Em lugar disso, um escroque que já foi militar e se especializou em parasitar os cofres públicos ocupa o centro do debate nacional.

Fabrício Queiroz, policial militar aposentado amigo de Jair Bolsonaro há décadas, prestou serviços do tipo “rachadinha” para a primeira família e acabou preso em casa do advogado do presidente da República. Até mensalidades e plano de saúde o faz-tudo pagava para o filho 01 —em dinheiro vivo.

O leitor talvez se pergunte o que falcatruas têm a ver com pandemia. Tudo. Só autoridades do nível moral de quem foge da polícia negligenciariam o dever de coordenar a reação à pior emergência sanitária em um século e, pior, se prontificariam a sabotá-la.

É tanto horror que esta coluna vai mudar de assunto. Melhor falar do coronavírus sob outro ângulo, mais fofo.

Quando menino, de vez em quando topava no congelador da geladeira Frigidaire com um embrulho de tamanho volumoso e conteúdo macio. Era a estola de vison de minha mãe, ali protegida de germes e insetos tropicais.

Vison é termo que não se usa mais, como estolas para cobrir os ombros das mulheres em concertos no Theatro Municipal. Trata-se do mustelídeo também conhecido como minque (ou “mink”, mais chique) que cede a pelagem para esses adereços femininos “démodés”.

Minque na natureza
Minque na natureza - Vasily Fedosenko/Reuters

Quem não tinha dinheiro para comprar um casaco inteiro de pele se virava com as estolas, ou com sofríveis substitutos artificiais. Em boa hora o movimento por direitos dos animais ajudou a banir tal predileção animalesca do vocabulário da moda.

O banimento não foi completo, porém, e ainda há quem se cubra com capotes da Idade da Pedra. Um uso mais recente dos pelos dos minques surgiu com a confecção de cílios postiços, e os mamíferos semiaquáticos são criados em fazendas para abastecer a falsificação cosmética.

A extinção desses criadouros que defensores de animais não lograram obter pode agora terminar imposta pelo coronavírus. Em meados de abril, duas fazendas de minques na Holanda tiveram infectados com Covid-19, e alguns de seus animais apareceram com o nariz escorrendo ou dificuldade para respirar.

Em dez dias, 2,4% dos bichos estavam mortos numa instalação (1,2% na outra), quando o aceitável seria 0,6%. Um total de 36 animais passaram por necropsia, que revelou pulmões arrasados por pneumonia, e sete deles tiveram diagnóstico de Sars-CoV-2 confirmado por teste genético (PCR).

A hipótese mais provável do grupo de Nadia Oreshkova, da Universidade de Wageningen, indica que humanos transmitiram o coronavírus para os bichos, e estes, uns para os outros. Partículas virais foram encontradas na poeira do ar dos viveiros.

Duas perguntas se impõem, e preocupantes: Seriam os minques reservatórios naturais do corona, e não morcegos ou pangolins, como se especulou? Ou seriam eles apenas vítimas fortuitas de nossa desumanidade, como tantos mortos da Covid-19 no Brasil?

A Holanda determinou o sacrifício de meio milhão de minques em 13 fazendas infectadas. Chegaremos a tanto?​

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