Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu genética

Mulheres ganham Nobel de Química, mas não levam patente genética

Prêmio exclui pesquisador à frente na disputa pela propriedade de tecnologia para editar DNA

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O Prêmio Nobel confere aos ganhadores uma aura santificadora, como se fosse falta de educação científica apontar senões no trabalho distinguido. Quando duas mulheres levam sozinhas a láurea, então, como na modalidade de química deste ano, espalha-se o silêncio.

Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna foram merecidamente agraciadas com o Nobel pela descoberta da tecnologia Crispr (pronuncia-se “crísper”) para modificar genes com maior precisão. Rios de bits correram para saudar a ferramenta biotecnológica como revolucionária, não sem razão, mas há problemas.

Não é o caso, hoje, de mencionar alguns efeitos não pretendidos dessas tesouras genéticas em aplicações terapêuticas, assunto já tratado aqui há mais de dois anos. Biologia nunca foi nem será uma ciência exata, porque a vida é complexa, mas passe.

Releve-se, também, a sempre presente tentação do exagero nas promessas da biotecnologia. Estão aí as hipérboles para descrever o sequenciamento do genoma humano, “Livro da Vida”, e a própria Crispr, no título do livro de Doudna: “Uma Ruptura na Criação. Edição de genes e o poder inimaginável de controlar a evolução”.

Fotos das duas cientistas aparece em telão na cerimônia de anúncio do prêmio
Anúncio do Nobel de Química, que premiou Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, em cerimônia em Estocolmo, na Suécia - Wei Xuechao/Xinhua

De volta ao Nobel: não se ouviram protestos de injustiça na escolha dos nomes, por exemplo, com a exclusão de Feng Zhang. O pesquisador é principal beneficiário das vitórias que seu Instituto Broad (Harvard/MIT) vem obtendo, na seara da propriedade intelectual, sobre a Universidade da Califórnia em Berkeley (UCB), de Charpentier e Doudna.

A disputa se arrasta desde 2012/13, quando os primeiros artigos e pedidos de patente sobre a Crispr apareceram. É briga de cachorro grande, com potencial para render milhões ao vencedor. A dupla de cientistas da UCB publicou estudo em junho de 2012 com as primeiras indicações de que um obscuro sistema de defesa de bactérias poderia servir para editar sequências de DNA. Tirando ou pondo trechos específicos, o sonho era obter efeitos determinados —no limite, impedir doenças genéticas, ou o desenvolvimento de tumores.

O trabalho saiu sete meses antes dos produzidos pelo time de Zhang, jovem prodígio do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Mas foi ele quem demonstrou como o sistema Crispr poderia funcionar em células eucariotas (dotadas de núcleo), ou seja, em organismos mais complexos que bactérias —humanos, por exemplo.

A partir de 2014 o Escritório de Patentes dos Estados Unidos começou a reconhecer a propriedade intelectual reivindicada pelo grupo de Zhang. A UCB entrou com recurso contra as patentes do Broad, alegando interferência com os seus pedidos anteriores, que teriam prioridade.

Menos de um mês antes do anúncio do Nobel, em 10 de setembro, a junta que examina recursos de patentes deu novo ganho de causa ao instituto bancado por Harvard e MIT. A prioridade para licenciar aplicações de Crispr em organismos eucariotos —vale dizer, no campo da biomedicina­— continua com Zhang.

Não dá para concluir disso que o comitê do Nobel tenha tomado posição a favor das cientistas na disputa patentária. Mas é digno de nota que tenha preferido contemplar a pesquisa mais fundamental, em detrimento daquela mais próxima das intervenções biotecnológicas.​

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