Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

A crise dos fundamentos da matemática - parte 2

Antes dos computadores, matemáticos questionavam o que pode ser calculado objetivamente

Quando alguém prova que um teorema é verdadeiro, podemos ter certeza que não virá outra pessoa provar que é falso? Esta pergunta preocupava os matemáticos na virada do século 20. A teoria dos conjuntos, então recentemente criada por Georg Cantor, exibia muitos paradoxos ligados à ideia de infinito, e havia o temor de que contaminassem outras áreas da matemática.

Foram propostas várias saídas. A mais famosa foi formulada por David Hilbert. Ele proponha listar um certo número de fatos fundamentais (axiomas), a partir dos quais seriam provadas todas as demais afirmações da matemática (teoremas), por meio de raciocínios rigorosos. Um objetivo crucial seria mostrar, de modo igualmente rigoroso, que não há teoremas ao mesmo tempo verdadeiros e falsos (consistência).

O “programa de Hilbert”, como ficou conhecido, influenciou muitos trabalhos realizados na primeira metade do século 20, inclusive pelo grupo Nicolas Bourbaki, de que falei recentemente, e também esteve na origem dos resultados de Kurt Gödel, um dos pensadores mais profundos desse século.

Projeção de objeto quadridimensional em uma figura geométrica em 3D
Projeção de objeto quadridimensional em uma figura geométrica em 3D - brewbooks/Flickr

Nos anos 1930, Gödel provou um resultado desconcertante, chamado primeiro teorema de incompletude: em qualquer sistema de axiomas suficientemente forte para conter a aritmética –com as operações de adição e multiplicação–, existem teoremas que são verdadeiros e, no entanto, não podem ser provados!

Mas o pior (ou melhor) ainda estava por vir: em seu segundo teorema de incompletude, Gödel provou que a consistência de um tal sistema de axiomas não pode ser provada sem usar axiomas mais fortes (cuja consistência teria de ser provada a partir de outros ainda mais fortes etc).

Esse foi um golpe duro no programa de Hilbert, embora não o tenha eliminado. Por essa altura, a mecânica quântica estava ensinando aos físicos que há limites do que podemos conhecer na natureza, e os teoremas de Gödel tiveram um papel semelhante no domínio da matemática. Eles também tiveram um papel fundamental na gênese da computação teórica.

Ainda antes do advento dos computadores, matemáticos se perguntavam o que pode realmente ser calculado de maneira objetiva. Por exemplo, será que é possível analisar um teorema e decidir, por meio de um cálculo, se ele é verdadeiro?

Foram propostas várias ideias para responder a estas perguntas, inclusive o famoso conceito de “máquina de Turing”, uma espécie de computador abstrato proposto em 1936 pelo britânico Alan Turing.

Na sequência foi provado que as resposta à pergunta acima é negativa: computadores não podem calcular a veracidade de teoremas. Não fora assim, talvez a esta altura nós matemáticos estivéssemos desempregados!

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