Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Viana

Apps de navegação começaram como brincadeira

Demonstração para leigos das maravilhas dos computadores contribuiu para o mundo em que vivemos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando o holandês Edsger Dijkstra preencheu os papéis para casar com sua noiva, Maria, indicou como profissão “programador de computador”, mas autoridades recusaram. Elas tinham alguma razão: em 1957 havia pouquíssimos computadores —um único em toda a Holanda— e a programação não existia. Dijkstra teve que se casar como matemático mesmo.

O primeiro computador holandês que funcionava, o ARRA II, havia sido construído no Mathematisch Centrum de Amsterdã em 1952, ano em que Dijkstra foi contratado. Mas em 1956 foi substituído pelo ARMAC, 50 vezes mais rápido, e pediram que Dijkstra fizesse uma demonstração para o público leigo das maravilhas que a nova máquina podia fazer.

Era um enorme desafio: ele precisava encontrar um problema que todo mundo entendesse, difícil para humanos, mas que o computador resolvesse rapidamente. Escolheu tratar da questão de encontrar o caminho mais curto, por estrada, entre duas cidades. Mas para isso precisava saber como resolver e como programar a solução no ARMAC.

Aplicativo de localização Waze
Aplicativo de localização Waze - Nir Elias/Reuters

Após semanas tentando, a descoberta veio enquanto tomava um café com Maria. “O algoritmo para o percurso mínimo foi concebido em 20 minutos, sem papel nem lápis”, contou depois. A apresentação foi um sucesso: Dijkstra pedia que alguém do público escolhesse duas cidades, apertava um botão e (apenas!) um minuto depois o computador dava o itinerário mais curto entre elas. Ninguém jamais vira isso.

O ARMAC virou sucata, mas o algoritmo de Dijkstra tem inúmeras aplicações nos nossos dias. Ele está na origem dos aplicativos de navegação que usamos para dirigir e também regula o modo como os servidores da internet conversam entre si, otimizando as ligações entre dois pontos quaisquer. O próprio Dijkstra aplicou ideias parecidas ao desenho de circuitos eletrônicos, minimizando a quantidade de material e o tempo de comunicação entre as partes.

Pare para pensar, caro leitor: na época não havia internet, GPS, mapas por satélite ou smartphones. Se Dijkstra tivesse tentado fazer alguma coisa com aplicação prática no seu tempo, talvez a esta altura ela já estivesse esquecida. Em vez disso, por meio de uma brincadeira “inútil”, ele contribuiu de verdade para o mundo em que vivemos hoje.

Dijkstra tinha consciência de que a matemática não é valorizada como merece. Com humor, descrevia o plano de fundar uma companhia chamada Matemática S.A. para comercializar teoremas matemáticos, da mesma forma como empresas de software hoje comercializam aplicativos. A Matemática S.A. atuaria na produção, no conserto e na manutenção de teoremas, e seu carro-chefe seria a demonstração da famosa Hipótese de Riemann. Difícil mesmo seria cobrar royalties dos matemáticos que usam a Hipótese de Riemann na prova de seus teoremas...

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.