No início de 2015, um surto de vírus zika foi relatado na região Nordeste e em outubro um aumento incomum nos casos de microcefalia foi observado. Microcefalia era apenas uma das muitas complicações gestacionais relacionadas ao zika vírus, referida como SCZ (síndrome congênita associada à infecção pelo vírus zika).
Um estado de emergência sanitária declarado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2015 foi suspenso em 11 de maio de 2017. Se notícias e atenção ao vírus zika diminuíram após o fim da emergência, as consequências da epidemia e as necessidades das famílias com crianças nascidas com SCZ só aumentaram.
Entre 2015 e 2022, o número total de casos confirmados para SCZ no Brasil foi de 1.857, 76% destes na região Nordeste e 94% ocorridos nos dois primeiros anos da epidemia, 2015 e 2016. Outros 3.187 casos suspeitos de SCZ continuam em investigação.
Crianças nascidas com SCZ apresentam uma série de problemas, incluindo comprometimento do sistema nervoso central, lesões neurológicas e atrasos no desenvolvimento. Muitas tinham dificuldades de alimentação em vários níveis, incluindo amamentação.
Em 2022, um estudo mostrou que as taxas de mortalidade de crianças com SCZ até três anos de idade era 11,3 vezes maiores do que daquelas sem SCZ. Outra análise mostrou que, das mortes de crianças com SCZ entre 2015 e 2018, 81,9% ocorreram antes de um ano de idade e cerca de metade das mortes de menores de um ano ocorreu nos primeiros 28 dias de vida. As principais causas de morte foram malformações congênitas múltiplas e septicemia.
O protocolo de acompanhamento dos casos de SCZ demanda estimulação precoce nos primeiros anos de vida e cuidados constantes de uma equipe multidisciplinar, além de cuidado permanente da pessoa cuidadora (a mãe, na maioria dos casos).
Entretanto, a disponibilidade e dificuldade de acesso a serviços ainda é um desafio para muitas famílias. Depressão, ansiedade, sofrimento mental e fadiga em diferentes níveis foram reportados entre mães de crianças nascidas com SCZ.
Na pandemia, essas dificuldades se agravaram devido à suspensão de tratamento e à restrição de locomoção durante períodos de distanciamento físico. Há evidências de que essa interrupção contribuiu para perdas na função motora e na mobilidade articular de crianças com SCZ. Além disso, a sobrecarga de atividades domésticas, a mudança da rotina, a perda de renda domiciliar durante a pandemia e o medo da Covid-19 também agravaram a saúde mental das mães.
A lei 13.985/2020 instituiu uma pensão especial mensal, vitalícia e intransferível, no valor de um salário mínimo, a ser paga às crianças com SCZ, nascidas entre 1º de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2019 e que já fossem beneficiárias do BPC (Benefício de Prestação Continuada). Ainda que após 2019 haja apenas 15 casos confirmados de SCZ, essas crianças também precisam de cuidados constantes.
O vírus zika, transmitido pelo Aedes aegypti, o mesmo vetor da dengue e chikungunya, continua circulando. Em 2022, Belize registrou 568,7 casos de vírus zika por 100 mil habitantes, a mais elevada taxa das Américas. No Brasil, até o final de novembro de 2022, foram diagnosticados 9,204 casos de zika (4,3 por 100 mil habitantes), 41% no Rio Grande do Norte.
Sem que haja mudanças drásticas nas condições de infraestrutura das cidades e no controle vetorial, é possível que uma nova epidemia de vírus zika ocorra em alguns anos, o que certamente resultaria em mais casos de SCZ.
Emergências de saúde pública e suas consequências desproporcionalmente afetam os mais vulneráveis. Oito anos e uma pandemia depois, a demanda por cuidado integrado a crianças nascidas com SCZ é ainda maior.
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