Uma briga de gigantes, que começou e terminou na bolsa de valores nesta semana, abriu a porteira para uma discussão que vai (ou deveria) afetar a forma como você escolhe suas ações.
De um lado, estava a americana AES Corporation, com valor de mercado de US$ 8,4 bilhões (atuais R$ 45 bilhões). No outro canto do ringue, o BDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social ).
O BNDES é dono de 28,41% da AES Tietê, controlada do Grupo AES no Brasil. Seu braço de participações em empresas, o BNDESPar, possui 14% das ações ordinárias e 37% das ações preferenciais da empresa de energia. Guarde essa proporção na memória.
A contenda começou com uma carta, instrumento de românticos inveterados e empresas listadas em bolsa.
O remetente da correspondência era a Eneva, empresa de energia que já foi a MPX, de Eike Batista, mas se recuperou, em outras mãos, após a derrocada do império do ex-bilionário. Nela, propunha um casamento, ou melhor, uma combinação de negócios.
A ideia era fundir a Eneva e a AES Tietê e formar o que chamaram de uma “gigante do setor elétrico”. Hoje, as companhias têm seu valor de mercado em R$ 11,4 bilhões e R$ 5,7 bilhões, respectivamente. Somadas, estariam acima da Cemig, por exemplo, mas não chegariam a ser a quinta maior do setor.
A carta com a proposta é datada de 1º de março, um domingo. Na segunda, quando a bolsa abriu, as ações das duas empresas subiram consideravelmente acima do Ibovespa. O mercado festejou a possibilidade da união. Mesmo sem saber se ela se concretizaria ou não.
A partir daí, trocaram correspondências, pedindo mais informações ou fornecendo dados. Até que o conselho de administração da AES Tietê encerrou o namoro. Disse que não tinha intenção de casar e que os “termos e condições são inadequados ao melhor interesse da Companhia e do conjunto de seus acionistas”.
Espezinhou um pouco. Disse que suas estratégias eram diferentes. Enquanto a AES estaria “preparada para as profundas transformações que o setor elétrico está passando” e focada na sustentabilidade de longo prazo, os negócios da Eneva ainda seriam centrados na queima de gás e carvão em termelétricas.
E aí que veio a briga. Não começou com uma Eneva ressentida, como se poderia esperar. Mas pelos acionistas da AES Tietê.
Enquanto o BNDES foi a público dizer que o pedido não poderia ter sido rejeitado pelo conselho sem que os todos os acionistas da AES Tietê fossem consultados em uma assembleia, a AES Brasil, controladora, afirmou que só caberia aos detentores de ações ordinárias votar, não a quem tem papéis preferenciais.
É aí que entra a importância daquela proporção das ações do BNDES. Como o banco tem só 14% das ações ordinárias, sua opinião teria pouca importância no modelo sugerido pelo Grupo AES. Mas, se fossem levadas em conta todas as ações, o BNDES teria quase 30% dos votos. Mais do que a própria holding que controla a AES.
E quem decide qual modelo de votação vale?
O BNDESPar disse que é “certo” o direito de voto dos preferencialistas no caso, “na forma do estatuto social da companhia e do regulamento do Nível 2 da B3”. Já a AES Brasil afirma que permitir o voto de quem tem ações preferenciais nesse caso seria “uma completa inversão na estrutura societária das companhias brasileiras” e que aceitar isso colocaria todas as empresas listadas no Nível 2 da B3 “em clara instabilidade”.
E é aí que essa briga toda mexe com seus investimentos, mesmo que você não tenha qualquer ação da AES ou da Eneva. O tal Nível 2 é um dos níveis de governança corporativa da bolsa. São cinco, que determinam, em grande parte, o quão transparente as empresas precisam ser na tomada de suas decisões. E você precisa ficar atento a isso na hora de escolher seus papéis. Ainda mais agora.
O com mais exigências é o Novo Mercado. As empresas listadas nele seguem mais exigências em relação à governança, só possuem ações ordinárias, dando a todos os acionistas direito a voto. O conselho de administração precisa ter pelo menos 20% de conselheiros independentes e mandato máximo de dois anos. É exigida ainda a divulgação de políticas de remuneração, entre outras coisas.
Já as companhias listadas no Nível 2, que agora está em discussão, obedecem a regras semelhantes, mas podem ter ações preferenciais. Segundo o site da B3, essas ações dão o direito de voto aos acionistas “em situações críticas, como a aprovação de fusões e incorporações da empresa e contratos entre o acionista controlador e a empresa, sempre que essas decisões estiverem sujeitas à aprovação na assembleia de acionistas”.
O Grupo AES disse que a proposta da Eneva não era uma dessas situações críticas, e tem bons advogados, com bons argumentos, para insistir nisso. Assim, mostra que há uma insegurança em relação à governança para (pelo menos) as 21 empresas que estão neste nível, que vão de Petrobras a Gol e Azul. Veja todas abaixo.
Uma demorada briga em relação ao tema era tão certa que a Eneva, inclusive, retirou a proposta de união. Mas agora a insegurança está exposta.
Para o investidor, fica mais um dever de casa: antes de comprar um papel, entender em qual segmento de governança aquela empresa está listada, checar quais são seus direitos como acionista e olhar, ao menos por cima, quem são os principais acionistas daquela companhia.
Uma busca de notícias sobre o controlador da empresa pode mostrar se ele costuma atuar contra os acionistas minoritários, como você. A ideia é evitar ser pego (e ver seus rendimentos caírem) num fogo cruzado.
Empresas listadas no Nível 2 da B3 |
Banco ABC Brasil |
AES Tietê |
Alupar |
Azul |
Banco Inter |
Banco BTG Pactual |
Celesc |
Energisa |
Gol |
Banco Indusval |
Klabin |
Marcopolo |
Multiplan |
Petrobras |
Banco Pine |
Renova Energia |
Sanepar |
Saraiva |
SulAmérica |
Taesa |
Taurus Armas |
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