Marcos de Vasconcellos

Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado

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Briga de gigantes na Bolsa expõe insegurança para investidor

Antes de comprar um papel, entenda em qual segmento de governança aquela empresa está listada

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Uma briga de gigantes, que começou e terminou na bolsa de valores nesta semana, abriu a porteira para uma discussão que vai (ou deveria) afetar a forma como você escolhe suas ações.

De um lado, estava a americana AES Corporation, com valor de mercado de US$ 8,4 bilhões (atuais R$ 45 bilhões). No outro canto do ringue, o BDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social ).

O BNDES é dono de 28,41% da AES Tietê, controlada do Grupo AES no Brasil. Seu braço de participações em empresas, o BNDESPar, possui 14% das ações ordinárias e 37% das ações preferenciais da empresa de energia. Guarde essa proporção na memória.

A contenda começou com uma carta, instrumento de românticos inveterados e empresas listadas em bolsa.

O remetente da correspondência era a Eneva, empresa de energia que já foi a MPX, de Eike Batista, mas se recuperou, em outras mãos, após a derrocada do império do ex-bilionário. Nela, propunha um casamento, ou melhor, uma combinação de negócios.

A ideia era fundir a Eneva e a AES Tietê e formar o que chamaram de uma “gigante do setor elétrico”. Hoje, as companhias têm seu valor de mercado em R$ 11,4 bilhões e R$ 5,7 bilhões, respectivamente. Somadas, estariam acima da Cemig, por exemplo, mas não chegariam a ser a quinta maior do setor.

A carta com a proposta é datada de 1º de março, um domingo. Na segunda, quando a bolsa abriu, as ações das duas empresas subiram consideravelmente acima do Ibovespa. O mercado festejou a possibilidade da união. Mesmo sem saber se ela se concretizaria ou não.

A partir daí, trocaram correspondências, pedindo mais informações ou fornecendo dados. Até que o conselho de administração da AES Tietê encerrou o namoro. Disse que não tinha intenção de casar e que os “termos e condições são inadequados ao melhor interesse da Companhia e do conjunto de seus acionistas”.

Espezinhou um pouco. Disse que suas estratégias eram diferentes. Enquanto a AES estaria “preparada para as profundas transformações que o setor elétrico está passando” e focada na sustentabilidade de longo prazo, os negócios da Eneva ainda seriam centrados na queima de gás e carvão em termelétricas.

E aí que veio a briga. Não começou com uma Eneva ressentida, como se poderia esperar. Mas pelos acionistas da AES Tietê.

Enquanto o BNDES foi a público dizer que o pedido não poderia ter sido rejeitado pelo conselho sem que os todos os acionistas da AES Tietê fossem consultados em uma assembleia, a AES Brasil, controladora, afirmou que só caberia aos detentores de ações ordinárias votar, não a quem tem papéis preferenciais.

É aí que entra a importância daquela proporção das ações do BNDES. Como o banco tem só 14% das ações ordinárias, sua opinião teria pouca importância no modelo sugerido pelo Grupo AES. Mas, se fossem levadas em conta todas as ações, o BNDES teria quase 30% dos votos. Mais do que a própria holding que controla a AES.

E quem decide qual modelo de votação vale?

O BNDESPar disse que é “certo” o direito de voto dos preferencialistas no caso, “na forma do estatuto social da companhia e do regulamento do Nível 2 da B3”. Já a AES Brasil afirma que permitir o voto de quem tem ações preferenciais nesse caso seria “uma completa inversão na estrutura societária das companhias brasileiras” e que aceitar isso colocaria todas as empresas listadas no Nível 2 da B3 “em clara instabilidade”.

E é aí que essa briga toda mexe com seus investimentos, mesmo que você não tenha qualquer ação da AES ou da Eneva. O tal Nível 2 é um dos níveis de governança corporativa da bolsa. São cinco, que determinam, em grande parte, o quão transparente as empresas precisam ser na tomada de suas decisões. E você precisa ficar atento a isso na hora de escolher seus papéis. Ainda mais agora.

O com mais exigências é o Novo Mercado. As empresas listadas nele seguem mais exigências em relação à governança, só possuem ações ordinárias, dando a todos os acionistas direito a voto. O conselho de administração precisa ter pelo menos 20% de conselheiros independentes e mandato máximo de dois anos. É exigida ainda a divulgação de políticas de remuneração, entre outras coisas.

Já as companhias listadas no Nível 2, que agora está em discussão, obedecem a regras semelhantes, mas podem ter ações preferenciais. Segundo o site da B3, essas ações dão o direito de voto aos acionistas “em situações críticas, como a aprovação de fusões e incorporações da empresa e contratos entre o acionista controlador e a empresa, sempre que essas decisões estiverem sujeitas à aprovação na assembleia de acionistas”.

O Grupo AES disse que a proposta da Eneva não era uma dessas situações críticas, e tem bons advogados, com bons argumentos, para insistir nisso. Assim, mostra que há uma insegurança em relação à governança para (pelo menos) as 21 empresas que estão neste nível, que vão de Petrobras a Gol e Azul. Veja todas abaixo.

Uma demorada briga em relação ao tema era tão certa que a Eneva, inclusive, retirou a proposta de união. Mas agora a insegurança está exposta.

Para o investidor, fica mais um dever de casa: antes de comprar um papel, entender em qual segmento de governança aquela empresa está listada, checar quais são seus direitos como acionista e olhar, ao menos por cima, quem são os principais acionistas daquela companhia.

Uma busca de notícias sobre o controlador da empresa pode mostrar se ele costuma atuar contra os acionistas minoritários, como você. A ideia é evitar ser pego (e ver seus rendimentos caírem) num fogo cruzado.

Empresas listadas no Nível 2 da B3

Banco ABC Brasil

AES Tietê

Alupar

Azul

Banco Inter

Banco BTG Pactual

Celesc

Energisa

Gol

Banco Indusval

Klabin

Marcopolo

Multiplan

Petrobras

Banco Pine

Renova Energia

Sanepar

Saraiva

SulAmérica

Taesa

Taurus Armas

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