A impressão de descolamento da realidade às vezes dá seu show na Bolsa de Valores. Nesta quinta-feira (15), quem assistia ao balé dos números pôde presenciar o espetáculo.
O palco começou a ser preparado na noite anterior, quando a Hering, conhecida pelas camisetas de malha e calças de moletom, comunicou ao mercado ter rejeitado uma proposta de fusão com a Arezzo, das lojas de sapato.
O comunicado não traz muita coisa, além da informação de que havia sido feita a tal proposta de “combinação de negócios” e que o conselho da Hering decidiu, por unanimidade, não levar adiante.
Trocando em miúdos, o que aconteceu foi que nada aconteceu. As duas empresas continuam exatamente como estavam.
Na manhã de quinta, no entanto, quem tinha papéis da Hering ou da Arezzo viu suas ações darem exuberantes saltos. Em uma hora e meia de pregão, o preço das ações HGTX3 (da loja de roupas) subiu 30%. As ARZZ3 (da sapataria) deram também suas piruetas e passaram dos 9% de valorização.
Tudo isso baseado num aumento impressionante do volume de negociações dos dois ativos. No total, foram movimentados mais de R$ 27 milhões em papéis da Hering, enquanto a média diária dos últimos 21 dias foi de R$ 4 milhões. No caso da Arezzo, foram movimentados quase R$ 2 milhões, mais de três vezes a média, de R$ 593 mil.
Os números “reais” de ambos os negócios continuaram os mesmos. As perspectivas da retomada do varejo seguem ruins, aguardando a tão sonhada vacinação para a circulação de pessoas (e suas compras por impulso). Ainda assim, os investidores decidiram que era o momento de comprar (e muito) as duas ações.
Tudo isso num dia em que o mercado andou de lado. O Ibovespa, principal indicador da Bolsa brasileira, não chegou a 0,35% de alta.
A própria Hering, em documento no qual lista os riscos à empresa (formulário de referência), deixou claro: “Não é possível prever a extensão, duração e os impactos das medidas de contenção, assim como não é possível prever os efeitos diretos e indiretos do Covid-19 nos nossos negócios”.
Aviso quase idêntico foi feito pela Arezzo. “Nossas operações e vendas podem sofrer impactos significativos em decorrência das medidas de isolamento e distanciamento social, incluindo o fechamento (temporário ou definitivo) de lojas e shopping centers e a interrupção de atividades produtivas de itens não essenciais, o que contempla a produção de sapatos em suas fábricas”, diz o formulário de referência mais recente da empresa.
Ao ver as ações dispararem sem uma efetiva mudança no negócio das empresas, investidores devem ficar atentos.
Até agora, o que realmente houve foi a sinalização de que a Hering confia em seu negócio (e por isso não vendeu) e que a Arezzo está com apetite para aumentar a empresa.
Uma explicação para a alta é a confiança do mercado de que haverá uma segunda rodada de negociação, mais benéfica para as companhias. Nesse ponto, a transparência das empresas é essencial para que o investidor enxergue onde os novos preços se apoiam.
Se nada de novo ocorrer para justificar o movimento, há grandes chances de os papéis logo caírem e o episódio terá servido como uma oportunidade para especuladores que ganham vendendo as ações a descoberto, no chamado “short”, fazendo dinheiro com a queda.
De um jeito ou de outro, o que se presenciou nesta quinta-feira foi um “não negócio” movimentar R$ 29 milhões na Bolsa, aumentando significativamente o valor de mercado de duas companhias que passam por um momento difícil.
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