Marcos de Vasconcellos

Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado

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Todos querem ser ESG, mas ignoram que vai faltar floresta

Faltam viveiros de plantas nativas para suprir a demanda de empresas e governos

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Seis meses após o governo brasileiro se comprometer a reflorestar um território equivalente a todo o Uruguai (ou duas vezes Portugal) até 2030, nós nos aproximamos de um "apagão de mudas".

A meta de reflorestar 18 milhões de hectares até 2030, firmada na COP26, em novembro do ano passado, soma-se à alta demanda de empresas e fundos por áreas verdes para negociar crédito de carbono. E o prognóstico é que vai faltar floresta.

Em 2015, no Acordo de Paris, o governo Dilma Rousseff colocou a meta de reflorestar 12 milhões de hectares em 15 anos. Quatro anos depois, o governo de Jair Bolsonaro aumentou a aposta e emplacou a promessa dos 18 milhões de hectares.

Área preservada de floresta perto de Uruará, no Pará - Lalo de Almeida - 18.jul.2020/Folhapress

Mas nem só de setor público vivem as promessas verdes. Em tempos de ESG (quando os investimentos deveriam privilegiar empresas com boa governança ambiental, social e corporativa), players do setor privado estão correndo atrás de projetos de reflorestamento para compensar ou negociar créditos de carbono.

O maior exemplo recente no Brasil é a re.green, empresa que reúne nomes como João Moreira Salles e Arminio Fraga. Anunciada no mês passado, a companhia juntou quase R$ 390 milhões para comprar terrenos, reflorestar e vender créditos de carbono e madeira certificada. Eles dizem ter a meta de reflorestar 1 milhão de hectares.

Esse é um mercado em ascensão quase obrigatória, uma vez que a agenda ESG depende da compensação de créditos de carbono. E é lucrativo. Sabe quanto a Tesla, de Elon Musk, faturou com a venda de créditos de carbono no primeiro trimestre deste ano? Quase R$ 3,5 bilhões. É 20% da receita total da empresa.

No caso da Tesla, ela ganha créditos por produzir carros elétricos e os vende para as fábricas de carros "tradicionais", como GM e Chrysler.

No Brasil, o sonho dourado da produção de créditos de carbono mora nas áreas verdes. E nesse ponto é preciso colocar a bola no chão antes de continuar o jogo dos números megalomaníacos do reflorestamento. Existem três formas de reflorestar: por meio da regeneração natural, da semeadura direta ou do plantio de mudas de espécies nativas. E, para grandes áreas, o normal é usar um "mix" das três formas.

E a verdade é que faltam viveiros de plantas nativas para suprir a demanda criada com as metas de empresas e governos. Quem faz a conta é Rodrigo Ciriello, diretor da consultoria Futuro Florestal, um dos criadores da associação (Nativas Brasil) para reunir os viveiros.

Hoje, a capacidade instalada da produção de mudas no Brasil não chega a 100 milhões de mudas por ano, explica. E metade dessa produção já está "demandada", ou seja, comprometida. Sobram 50 milhões de mudas ao ano, isso se usarmos toda a capacidade dos viveiros que existem.

Ainda que o Brasil refloreste "apenas" 9 milhões de hectares até 2030 e que 30% do trabalho seja o feito com mudas, isso resulta em 337,5 mil hectares por ano. Pelas indicações da Embrapa, são necessárias cerca de pelo menos 1.100 plantas por hectare. Logo, a demanda anual passa a ser de 371,21 milhões de mudas. Muito acima da nossa capacidade atual.

Essa é apenas a ponta do iceberg, explica Bruno Mariani, CEO da Symbiosis Investimentos. "Falta muda, falta dinheiro, falta vontade, falta tecnologia", elenca. A produção de espécies nativas para a produção madeireira ou de crédito de carbono é de longo prazo (ao menos 20 anos para dar retorno) e depende de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Sem a base científica para aumentar a previsibilidade, esse tipo de projeto traz riscos altos demais para atrair o dinheiro necessário.

Conversando com quem atua efetivamente no reflorestamento, a impressão que fica é que a onda ESG, ao falar de reflorestar, esquece do principal: combinar com a realidade.

Para o investidor que quer saber quem está realmente buscando melhorar sua governança ambiental, a dica é checar quanto dinheiro está sendo direcionado para P&D, indo além da "publicidade verde".

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