Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

A falta que faz o liberal John Stuart Mill

Brutalidade que o indignou há 150 anos ainda continua na ordem do dia

​Surpreendentemente, a vida de John Stuart Mill foi bem-sucedida. Afinal, tornou-se o filósofo inglês mais conhecido do século 19, admirado pela defesa do liberalismo e pelo combate à discriminação. No meio do caminho, foi um bom economista.

Mill nasceu no começo do século 19 e desde cedo seu pai tentou transformá-lo em gênio. Lia Platão e Diógenes em grego desde os oito anos e estudou a geometria de Euclides aos 12.

A sua rotina de estudos era inacreditável e virou tema de livros. O adolescente aprendeu economia com David Ricardo, o melhor da época, e ciência política com Jeremy Bentham, que inaugurou o utilitarismo.

Não faltaram razões para que Mill, deprimido, tenha pensado em se matar aos 20 anos.

O filósofo liberal não hesitava em enfrentar os temas cotidianos e foi membro do Parlamento inglês. Ainda jovem, indignou-se ao encontrar recém-nascidos abandonados nas ruas de Londres. Foi preso por distribuir panfletos que explicavam como evitar a gravidez. A família conseguiu abafar o escândalo.

Mill combateu a escravidão e a discriminação das mulheres. Nem tudo é perfeito, e ele também defendeu a colonização benevolente dos países que considerava bárbaros.

Durante 21 anos, manteve uma relação, aparentemente casta, com Harriet Taylor, uma mulher casada, inteligente e liberal, que o incentivou a defender a igualdade de diretos entre homens e mulheres. Apenas após a morte do marido consumaram o afeto, casando-se.

Na época, as mulheres não possuíam direito de propriedade e a lei previa que deviam obedecer aos maridos. Ao se casar, Mill escreveu uma declaração repudiando “esses poderes odiosos” e prometendo jamais utilizá-los. Sua esposa deveria ter “liberdade absoluta de ação”.

Sigmund Freud foi pago para traduzir um livro de Mill que criticava a opressão das mulheres. O pai da psicanálise, porém, discordou de Mill: “Não, aqui eu fico com os mais velhos... A posição da mulher não pode ser outra do que é: ser uma namorada adorada na juventude e uma esposa amada na maturidade”.

A democracia e o conhecimento, defendeu Mill, beneficiam-se do direito ao contraditório e da tolerância com a divergência. A jurisprudência da Suprema Corte americana incorporou os seus argumentos décadas depois, revolucionando o direito à liberdade de expressão.

O desolador é constatar que a brutalidade que indignou Mill há 150 anos ainda continua na ordem do dia. Neste país que flerta com o retrocesso, alguns autodenominados liberais se dizem saudosos da ditadura, em meio a manifestações intolerantes com a divergência e as minorias. A oposição, por sua vez, tenta justificar a opressão na Venezuela. Tristes tempos.

O filósofo liberal John Stuart Mill combateu a escravidão e a discriminação das mulheres
O filósofo liberal John Stuart Mill combateu a escravidão e a discriminação das mulheres - London Stereoscopic Company
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