Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Política requer negociação, técnica e sutileza

Últimas semanas tiveram leves atritos entre nova equipe econômica e velho Congresso

As últimas semanas foram marcadas por leves atritos entre a nova equipe econômica e o velho Congresso. Nada que não se possa ajustar, desde que se aprenda com os tropeços.

Governo não é uma empresa com hierarquia bem definida em que decisões devem ser obedecidas. Afinal, temos poderes independentes e, no caso do Congresso, ambas as casas são apenas coordenadas pelo seu presidente, com muitas prerrogativas, mas também diversas limitações.

São muitos os interesses em meio a uma governança complexa, com decisões podendo ser tomadas rapidamente na contramão dos objetivos do Poder Executivo. Além disso, medidas legais no Brasil são por vezes recheadas de sutilezas entre muitos parágrafos de leitura difícil e motivações nem sempre claras.

Paulo Guedes (à esq.), futuro ministro da Economia do governo Bolsonaro, e Eduardo Guardia, ministro da Fazenda, em reunião no início de novembro em Brasília
Paulo Guedes (à esq.), futuro ministro da Economia do governo Bolsonaro, e Eduardo Guardia, ministro da Fazenda, em reunião no início de novembro em Brasília - Sérgio Lima - 6.nov.18/AFP

No caso do projeto de lei sobre a licitação do pré-sal (cessão onerosa), o mais recente atrito, há muito mais em jogo do que simples rateio de recursos com estados e municípios.

A mudança na regra de rateio está em outro projeto, neste caso sobre multas a serem pagas aos usuários de energia. Ele também destina parte dos recursos para o Brasduto, fundo que financia a expansão de gasodutos, e obriga a União a indenizar a Cemig em alguns bilhões de reais por usinas que a empresa não mais possui.

Além desses aspectos inusitados, a própria tentativa de mitigar o problema dos estados e municípios com recursos extraordinários tem se revelado uma maldição. Afinal, a sua crise decorre dos gastos recorrentes com folha de pagamentos de servidores ativos e aposentados.

Há poucos anos, a renegociação das dívidas com a União e os recursos da repatriação aliviaram momentaneamente o caixa de estados e municípios. A despesa recorrente, porém, continuou a aumentar com reajustes salariais e aposentadorias precoces.

O oportunismo resultou só em piora das contas públicas, com folhas de pagamento em atraso, redução da manutenção da infraestrutura e carência crescente de serviços públicos.

O novo governo começa com grande apoio popular, mas falta definir a sua agenda até para organizar a política. A decisão sobre a partilha deve esperar a próxima legislatura, até para esclarecer as suas sutilezas. Uma reforma profunda da Previdência é essencial para começar a equilibrar as contas públicas, e sem ela a crise de estados e municípios não tem solução.

Para isso, é preciso cuidar da política e construir sólidas maiorias, com o protagonismo dos estados na Previdência, os seus mais imediatos beneficiários.

A política requer clareza de prioridades e negociação entre poderes independentes, embasadas por muita técnica e atenção aos detalhes para saber exatamente o que está em jogo

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