A campanha eleitoral deixou sequelas. Muitos se sentem ameaçados pelo preconceito. Outros manifestam a sua indignação com os malfeitos que constrangeram o país. A demonização da divergência, porém, dificulta construir soluções para os nossos problemas.
Em tempos intransigentes vale resgatar o romance “Gilead”, de Marilynne Robinson, em que um pastor premido pela morte iminente escreveu ma longa carta para o filho tardio que logo se tornaria órfão.
“Se você for adulto quando ler isso... já terei partido há muito tempo. E terei aprendido quase tudo o que se há para aprender sobre o que é estar morto. Mas, provavelmente, guardarei para mim essas descobertas. Ao que parece, é assim que as coisas são.”
O pregador relata suas frustrações corriqueiras, entremeadas por conselhos de um pai amoroso: “Um pouco de raiva em excesso... é capaz de destruir mais coisas do que se poderia imaginar”.
Ele conta do avô, que saíra pelo mundo e foi encontrado enterrado em um terreno desolado. Como em muitas despedidas, havia a amargura pelas palavras duras proferidas anos antes. O luto de entes queridos é mais sofrido quando não se está em paz com quem partiu.
Na carta, o pregador relembra seus sermões e o conforto que dera aos jovens que escaparam de lutar na guerra. Não lhes dissera, porém, que a maior bênção fora terem sido poupados do ato de matar.
Há muitas histórias, como a de uma comunidade que construiu túneis subterrâneos inadequadamente escorados. Um cavaleiro chegou à cidade e a terra desmoronou-se sob seus pés. Os moradores atribuíram a queda ao peso do cavalo. “Uma falha de avaliação é perfeitamente capaz de criar situações nas quais só se podem fazer escolhas estúpidas.”
O pregador recomenda sempre procurar as razões de Deus. Caso alguém o insulte, deve-se pensar: “Trata-se de um emissário enviado pelo Senhor, e vai me beneficiar de algum modo”. Dessa forma, “somos libertados do impulso de odiar ou de ter ressentimento por essa outra pessoa”.
Deus testou o amor de Abraão. Seu filho mais jovem, Isaac, deveria ser sacrificado como um cordeiro, mas foi salvo pela intervenção de um anjo e deu origem ao povo judeu. O mais velho, Ismael, foi relegado ao deserto. A Providência concedeu-lhe a sobrevivência e descendentes árabes. “A vida é assim —mandamos nossos filhos para o deserto. Alguns no próprio dia em que nascem... outros parecem uma espécie de desertos para si mesmos.”
O pregador surpreende pela sua misericórdia em meio à turbulência.
A superação dos nossos problemas econômicos requer o resgate do diálogo. O risco é continuarmos a cavar túneis insensatos e a proclamar desertos entre irmãos.
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