Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Paraisópolis

As autoridades eleitas lustram a sua pequenez ao não chorar pela morte dos jovens

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Jovens têm o hábito de apreciar uma festa, por vezes para desespero dos vizinhos.

Compreensível. Começando a vida adulta, não sabem muito bem o que querem fazer no futuro que lhes parece interminável. Por isso, experimentam relacionamentos e empregos. Com o destemor de quem pouco viveu, muitos ultrapassam os limites impostos pelas regras dos mais velhos.

As festas permitem conhecer gente fortuitamente em meio à algazarra da música e da dança; ambas, em geral, demasiadas para o bom senso cansado da meia-idade.

Como a imensa maioria de nós quando tínhamos a sua idade, os jovens querem testar muitas opções antes de construir relações estáveis. Por isso, estão freneticamente ocupados em inventar eventos, saber das novidades e aproveitar os encontros de multidões como se não houvesse amanhã.

Ocasionalmente, descobrem que os limites têm lá a sua razão de ser. A minha geração assistiu a muitas mortes trágicas e desnecessárias por dirigir perigosamente ou mergulhar nas drogas.

O papel dos adultos é ajudá-los nessa transição, cuidar para que não corram riscos desnecessários e protegê-los da violência. Assim fazem os pais da elite que moram em condomínios fechados. Assim tentam as demais famílias em meio à carência de segurança pública.

Os jovens, com frequência, não conseguem antecipar o que pode dar errado e se metem em enrascadas. No Brasil, porém, a pouca empatia e solidariedade das elites e dos governantes transforma a irresponsabilidade em tragédia anunciada. Muitos adultos são apenas asseclas da brutalidade.

A tragédia de Paraisópolis revela o nosso atraso. Os jovens faziam naquela noite o que muitos de nossos filhos praticam regularmente. Dançavam, conversavam e experimentavam o que não deviam, com a sua irresponsabilidade preocupante para os pais.

Só que não havia adultos para cuidar dos jovens. Pelo contrário. Alguns policiais não hesitaram em promover o pânico ao invadir a região alegadamente atrás de um atirador. Nosso Estado parece existir sobretudo para proteger o patrimônio e garantir benesses.

As vítimas em Paraisópolis foram tratadas como acidentes de percurso na trágica perseguição da última semana.

Não eram, no entanto, acidentes; eram jovens que podiam ser meus filhos. A roda da fortuna me concedeu o benefício da educação e da cidade oficial em um país partido.

As crianças de Paraisópolis nasceram no outro lado do muro, em bairros repletos de trabalhadores, porém descuidados pelo poder público.

As autoridades eleitas lustram a sua pequenez ao não chorar pela morte desses jovens. Eles se chamavam Bruno, Dennys, Denys, Eduardo, Gabriel, Gustavo, Luara, Marcos e Mateus.

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