Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes
Descrição de chapéu BNDES

BNDES sinaliza que repetirá erros que nos custaram caro

De 2008 a 2015, Tesouro pôs no BNDES 1,5% do PIB; tivemos mais problemas que soluções

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O presidente do BNDES tem feito declarações como "transferimos, em oito anos, R$ 1 trilhão ao Tesouro" ou "transferimos R$ 254 bilhões a mais para o Tesouro do que recebemos". As afirmações contrariam a matemática financeira básica na tentativa de reescrever a história.

A realidade é que o Tesouro transferiu muito dinheiro para o BNDES, não o contrário. O Tesouro se endividou pagando taxa Selic e emprestou ao BNDES a taxas menores. A conta correta, registrada em documentos oficiais, indica que entre 2008 e 2022 o contribuinte brasileiro subsidiou o BNDES em R$ 325 bilhões, em valores de 2022.

Fez-se um experimento: aumentava-se a dívida pública para subsidiar investimentos de empresas, via BNDES, para acelerar o crescimento. Com PIB maior, a relação dívida/PIB cairia. Estaríamos mais ricos e menos endividados.

A dívida aumentou e o crescimento não veio. Em novembro de 2015, o BNDES devia ao Tesouro o equivalente a 8,9% do PIB. Em vez de crescimento, tivemos a grande recessão de 2014-16.

Segundo o Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (Cmap), do Governo Federal, os empréstimos do BNDES geraram pouco investimento adicional. As empresas substituíram empréstimos mais caros, que tomariam no mercado, beneficiando-se do ganho financeiro. Essa conclusão é similar às de Lazzarini e coautores e de Bonomo e coautores.

Estação ferroviária
Estação ferroviária de Taubaté (SP), cuja restauração, orçada em R$ 4,3 milhões, será feita com apoio do BNDES - São Paulo Antiga

Ainda que durante a recessão de 2009 o mecanismo tenha sido importante para evitar uma queda maior do PIB, a partir de 2010, com a economia já recuperada, a capacidade de alavancar investimentos diminuiu fortemente. Mas se insistiu nessa política até 2015, com custos crescentes.

Os financiamentos se concentraram em empresas grandes e consolidadas, não em negócios inovadores. Para não falar em programas inconsistentes, como o financiamento à indústria naval ou a compra de caminhão a juros negativos. Como consequência, os empréstimos não se traduziram em aumento de produtividade, como demonstram Carrasco e Freitas.

Os mesmos autores mostram evidências de que o grande volume de crédito subsidiado, ofertado pelo BNDES, impedia o crescimento do mercado de capitais e de crédito privado, que duplicou de tamanho tão logo se alterou a política do banco, a partir de 2017.

O crédito farto e subsidiado também dificulta o controle da inflação. Quando o BC precisa subir juros, as empresas beneficiárias de crédito subsidiado não são afetadas e continuam tomando empréstimos como antes. Para obter uma dada contração do crédito, atuando apenas sobre uma parcela do mercado, o BC precisa impor uma dose adicional de juros.

Além das empresas subsidiadas, ganharam os bancos, com o spread no repasse de grande volume de operações. Perdeu a população, cujo erário ficou mais endividado, pagando mais juros.

Nos quatro anos entre 1948 e 1951, o Plano Marshall custou, em média, 1,1% do PIB norte-americano por ano. Com esses recursos viabilizou-se a reconstrução da Europa no pós-Guerra. O Tesouro Nacional injetou no BNDES 1,5% do PIB por ano, ao longo de sete anos (2008-15), e colhemos mais problemas que soluções.

É essa agenda que a nova direção do BNDES pretende retomar. O banco muito teria a contribuir se, em vez de insistir nos erros do passado, limitasse o volume total de desembolsos e se concentrasse no financiamento de empresas inovadoras, na estruturação de concessões de saneamento, no apoio à criação de mercado de carbono e outras fontes de financiamento de preservação ambiental e geração de energia limpa. Como, aliás, já vinha fazendo desde 2016.

Aloísio Mercadante, presidente do BNDES, com o ministro da Economia, Fernando Haddad, no telão em seminário no BNDES - Eduardo Anizelli - 21.mar.23/Folhapress

Nesta semana o BNDES organizou um convescote para defender aquele modelo de política fracassado e expressar desprezo pelo equilíbrio fiscal. Contou com a ilustre presença do economista Joseph Stiglitz.

Vale lembrar que, em 2019, Stiglitz fez visita de apoio semelhante ao recém-empossado presidente Alberto Fernández, na Argentina, e se mostrou entusiasmado com a política econômica heterodoxa proposta pelo então ministro Martín Guzmán, seu aluno. Hoje sabemos para onde a Argentina caminhou: inflação acima de 100% e estagnação econômica.

Podemos voltar a falar em "efeito Orloff"?

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