Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes
Descrição de chapéu BNDES

A paranoia liberal e os fatos

Por que agora seria diferente?

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Em minha coluna de 12 de janeiro, mostrei preocupação com o retorno da tentativa de induzir crescimento via BNDES, com recursos do Tesouro. Outro colunista desta Folha classificou meus argumentos como "paranoia liberal".

Onde faltam argumentos, sobram adjetivos. Vamos aos fatos.

Para defender a política passada do BNDES, o colunista afirma que "a revisão de literatura feita por Barboza et al (2023) mostra que o efeito dos desembolsos do BNDES sobre investimento, emprego e exportação é positivo, especialmente grande sobre as MPME".

Fachada do prédio do BNDES, no Rio de Janeiro
Fachada do prédio do BNDES, no Rio de Janeiro - Fábio Teixeira/Folhapress

Os 48 estudos analisados nesta resenha da pesquisa acadêmica —entre os quais muitos trabalhos publicados em periódicos de renome, como o de Bonomo, Brito e Martins (2015)— estão longe de apontar sucesso.

Segundo Barboza et al (2013), "a maioria dos artigos sugere que o BNDES teve efeito nulo sobre a produtividade" (p. 649): o motor do crescimento de longo prazo não foi acionado. Fernando Veloso acaba de publicar estudo sobre o baixo crescimento da produtividade no Brasil, também ali estão ressaltados os efeitos negativos da política de crédito do BNDES.

O impacto sobre emprego, por sua vez, foi temporário: cresce durante a construção de empreendimento financiado, depois cai.

Já o efeito positivo sobre o investimento "foi encontrado apenas nas avaliações que consideraram as micro e pequenas empresas (...) e não nas empresas com capital aberto". (Barboza et al, p. 653)

Ocorre que, entre 2007 e 2017, as MPME receberam apenas 30% do valor liberado pelo BNDES. As grandes empresas ficaram com 70%, e não aumentaram investimento: o dinheiro que elas pegariam no mercado, passaram a pegar barato no BNDES, para financiar investimentos que já estavam planejados. O subsídio virou lucro para os acionistas.

Nem sempre o aumento do investimento foi algo positivo. Por exemplo, a linha de crédito "Procaminhoneiro", com juros reais negativos, induziu aumento de 40% na frota de caminhões entre 2009 e 2016. O excesso de oferta de fretes somou-se a outros fatores que levaram à greve dos caminhoneiros, que paralisou o país.

Exemplos de financiamentos com maus resultados, não faltam: a ferrovia Transnordestina, que ficaria pronta em 2007 a um custo de R$ 4,5 bilhões, não tem data para ser concluída, e custará R$ 12 bilhões. A hidrelétrica de Belo Monte, que custaria R$ 20 bilhões, custou o dobro e não tem água para gerar energia durante a seca. Poderíamos seguir com indústria naval, refinarias e empréstimos a países desprovidos de capacidade de pagamento.

Autoridades do governo argumentam que dessa vez será diferente, porque não haverá nem aporte de recursos do Tesouro no BNDES, nem subsídio nos financiamentos. Não é correto.

No Fundo Clima, operado pelo BNDES, há recursos do orçamento e dinheiro que o Tesouro capta com a venda de "green bonds". As LCDs (Letras de Crédito de Desenvolvimento), que o BNDES pretende emitir, têm incentivo fiscal que, segundo exposição de motivos do PL 6235/23, soma "renúncia da ordem de R$ 312,5 milhões para 2024, R$ 937,4 milhões para 2025 e R$ 1,25 bilhão para 2026".

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico, recém-criado, será abastecido com dinheiro de benefícios tributários dados pelo Tesouro às empresas. O BNDES também postergará o pagamento de R$ 23 bilhões de empréstimo do Tesouro, que deveriam ser pagos este ano. Os fundos FUST e FNDCT também vêm do orçamento.

Haverá taxas subsidiadas com custo para o Tesouro. Enquanto ele se financia a 11% ao ano, empréstimos com recursos do FAT e do FNDCT cobrarão apenas a TR (1,8% a.a.). As taxas das linhas do Fundo Clima estão em torno de 6% a.a.

Por mais criativos que sejam os esquemas de driblar o orçamento, com fundos privados ou benefícios tributários, a conta acaba chegando na dívida pública.

Não adianta dizer que agora os valores são menores que no passado. Essas políticas sempre começam devagar e depois cresceram e demoram a ser encerradas. Não será difícil escalar. Por exemplo, os limites para emissões das LCD e para concessão de financiamentos ao custo de TR podem ser ampliados por simples decisão do Conselho Monetário Nacional. Não precisam de chancela do Congresso.

O sucesso de políticas de apoio ao desenvolvimento tem como condições mínimas necessárias

  1. Governança que evite a captura pelos interesses privados;
  2. Metas claras;
  3. Avaliação de impacto;
  4. Interrupção do que fracassar;
  5. Exposição dos beneficiários à concorrência externa.

Isso vai ser feito?

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