Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Mendes
Descrição de chapéu juros

União erra ao estimular o endividamento de estados e municípios

Política desastrosa adotada entre 2007 e 2014 volta a ser ameaça

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nos anos 1980 e 1990 havia indisciplina fiscal generalizada nos estados e municípios (E&M), que constituía uma das causas da alta inflação. Conto essa história no texto "Crise Fiscal dos Estados: 40 Anos de Socorro Financeiro e suas Causas".

Houve grande esforço ao final dos anos 1990 para reverter essa situação. A União assumiu a dívida dos E&M, refinanciando o passivo em 30 anos, com desconto (em geral em torno de 20%) e juros abaixo dos de mercado. Também foi aplicado dinheiro federal para sanear e privatizar os bancos estaduais. O montante total equivalia a quase 15% do PIB. Os custos para o Tesouro Nacional e os subsídios aos E&M foram altos. Em troca, eles precisavam aderir a um programa de ajuste fiscal.

Ao lado da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) aprovada em 2000, o programa de ajuste induziu reformas essenciais para o sucesso do Plano Real e para a melhoria da gestão pública.

A partir de 2007, essa custosa e bem-sucedida reforma institucional foi jogada fora. O governo federal passou a estimular os E&M a se endividarem, sob o pretexto de aumentar o investimento público e enfrentar a crise de 2008-9. Acauã Brochado e Itanielson Cruz contam essa história no livro "Para Não Esquecer: Políticas Públicas que Empobrecem o Brasil".

Em 2012, o endividamento excessivo estava de volta. Estados e municípios passaram a arguir no STF que aquela dívida, fruto de um contrato com desconto e juros baixos, lhes seria desfavorável. Teses esdrúxulas, como a de que os juros dos contratos deveriam ser simples, não compostos, tiveram ressonância na Suprema Corte, que determinou o refinanciamento dos passivos.

Lula e Fernando Haddad em encontro do G20 no Itamaraty - Adriano Machado - 13.dez.23/Reuters

Em outro fronte, os E&M usaram sua força no Congresso para aprovar diversas leis reduzindo o saldo e o custo da dívida, além da criação de regimes especiais, como o RRF (Regime de Recuperação Fiscal), que dava oxigênio a estados em situação crítica.

Desde 2014 vive-se um conflito: o Tesouro tenta voltar a impor disciplina fiscal, e os E&M usam o STF e o Congresso para afrouxar as restrições. Virou rotina tomar empréstimo com garantia da União, não pagar e recorrer ao STF para impedir que a União execute as contragarantias. Desde 2016 o Tesouro já honrou pagamentos que somam R$ 62,5 bilhões e só conseguiu executar R$ 4,7 bilhões de contragarantias (valores nominais). Simples assim: pega emprestado, não paga e empurra a conta para o governo federal.

Em desvantagem no jogo político, a União deveria jogar na retranca, concedendo o mínimo possível de novas garantias. Também deveria se entrincheirar nos já desequilibrados regimes especiais, como o RRF, evitando abrir negociações que enfraqueçam ainda mais as regras hoje existentes.

Contudo, a orientação do presidente da República é para ampliar o crédito aos E&M. Não é só retórica. As garantias da União em operações internas pularam de R$ 5,8 bilhões em 2022 para R$ 17,4 bilhões em 2023 (valores nominais), como mostrado pelo jornal Valor Econômico. Nas operações externas, passaram de US$ 135 milhões para US$ 704 milhões.

Em paralelo, o governador do Rio, que aderiu a dois planos no RRF e os descumpriu, como comentei em colunas anteriores de 14/1/22 e 11/2/22, ameaça levar ao STF a inacreditável tese de que é inconstitucional a União cobrar juros de estados e municípios. Dado que mais de 90% das decisões da Corte favorecem os E&M, é capaz de conseguir alguma coisa.

O presidente do Senado, por sua vez, tenta emplacar um plano de recuperação especial para Minas Gerais —mais frouxo que o RRF— que consiste em entregar ativos ao governo federal, como a Cemig, para abater a dívida e evitar fazer o ajuste duro e necessário, que passa pela redução da folha de pessoal ativo e inativo.

Experiências anteriores de entrega de ativos estaduais à União acabaram em judicialização, alto custo e perpetuação do desequilíbrio. O governo, no entanto, mostra-se simpático à ideia e começa a discutir o plano, abrindo novo flanco para a permissividade fiscal.

A desastrosa política adotada de 2007 a 2014 parece estar de volta.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.