Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu PIB inflação juros

As importantes mensagens do relatório de projeções fiscais

Enquanto um relatório tenta esconder inconsistência da política fiscal, outro mostra-a com clareza

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O relatório bimestral de receitas e despesas, divulgado nesta sexta (22), repete a fórmula do ano passado: subestima despesas e superestima receitas, projetando déficit irrealista.

Lembremos que, no primeiro relatório bimestral do ano passado, projetava-se déficit de 1% do PIB. O ano terminou com cifra 60% maior (1,6%, depois de ajustados os pagamentos extemporâneos de precatórios, como mostrei em coluna anterior). Agora projeta-se déficit de 0,1% do PIB. Veremos a quanto chegará ao final do ano.

Trata-se de empurrar a má notícia para a frente, enquanto se busca mais receitas e pouco se faz para controlar despesas.

Para escapar dessa miopia do curto prazo, vale ler outro documento do Tesouro, publicado em 15/3: o "Relatório de Projeções Fiscais", que analisa as contas no médio e longo prazos.

Ainda que preso às sempre otimistas projeções macroeconômicas e fiscais oficiais, o relatório evidencia inconsistências da política fiscal, que os relatórios bimestrais tentam ocultar, e faz propostas construtivas de reformas.

O cenário base desse relatório assume que a expectativa de arrecadação do governo com as medidas de aumento de receita será atingida, crença não compartilhada pelos analistas, a despeito do bom desempenho das receitas no início do ano.

Além disso, supõe efeito pleno da MP 1.202/23 (reoneração, Perse, limitação de compensação tributária), já bastante mitigada por sua nova versão, a MP 1.208/24.

Do lado da despesa, assume o pleno cumprimento do limite de gastos do arcabouço fiscal.

A ministra do Orçamento e Planejamento, Simone Tebet, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Valter Campanato/Agência Brasil

Os parâmetros macroeconômicos utilizados são os estimados pela Secretaria de Política Econômica (SPE). O próprio relatório explicita o excesso de otimismo desses parâmetros, em uma tabela que os compara àqueles usados pela Instituição Fiscal Independente (IFI), mais conservadores em variáveis centrais para a arrecadação e a estabilidade da dívida pública, como PIB, juros reais, massa salarial, desemprego.

Mesmo com cenário e hipóteses otimistas, o relatório mostra que não seriam atingidas as metas de resultado primário em 2025 e 2026. Haveria um déficit de 0,5% do PIB em 2025 e de 0,4% em 2026, contra metas de superávit de 0,5% e 1%, respectivamente.

Em 2024, projeta-se déficit zero devido às hipóteses otimistas para arrecadação. Mas o (questionável) equilíbrio fiscal de 2024 não se mantém nos anos seguintes, porque boa parte das novas receitas é não recorrente.

Constatada essa insuficiência, o relatório estima qual precisaria ser o aumento de receitas para, ao mesmo tempo, cumprir as metas de resultado primário até 2026 e, em 2027 e 2028 atingir o resultado primário necessário para estabilizar a relação dívida/PIB.

A receita líquida precisaria crescer sistematicamente até 19,7% do PIB em 2026. O esforço seria grande, tendo em vista que a mediana da pesquisa Prisma Fiscal indica, para 2024, receita líquida de 18,2% do PIB. Logo, precisaríamos de mais medidas de receita que rendessem, liquidamente, depois das transferências a estados e municípios, nada menos que 1,5% do PIB.

Frente a esse difícil ajuste pelo lado da receita, o relatório propõe que chegou a hora de olhar para o controle da despesa.

Outro problema explicitado pelas projeções é o conhecido "esmagamento" das despesas discricionárias pelo rápido crescimento das despesas obrigatórias e daquelas indexadas ao crescimento da receita (gasto mínimo em saúde e educação e emendas parlamentares). A compressão seria forte já a partir de 2027.

Por isso, o relatório propõe regras alternativas que substituam a atual vinculação de despesas à receita. Os ganhos fiscais ficariam acima de R$ 50 bilhões por ano, já no curto prazo.

Por fim, o relatório mostra que, no cenário otimista das projeções oficiais, a dívida se mantém bem-comportada, chegando no máximo a 78% do PIB e depois caindo.

Contudo, quando os parâmetros macroeconômicos oficiais são substituídos pela mediana das projeções de mercado (relatório Focus), a situação muda drasticamente. Mesmo supondo o pleno cumprimento das metas do arcabouço, que o próprio relatório indica ser de baixa viabilidade, a dívida cresceria persistentemente, alcançando 95% do PIB em 2033. Outra mensagem clara: o atual regime fiscal não é capaz de estabilizar a dívida pública como proporção do PIB.

O que o relatório bimestral tenta ocultar, o relatório de projeções fiscais revela com clareza.

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