Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

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Einstein, Freud, a guerra e os chimpanzés

Diálogo entre os dois gênios ressalta pulsões destrutivas ancestrais

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Em 1932, a Liga das Nações convidou Albert Einstein, já então um gigante da física, a escolher uma personalidade intelectual de vulto para questioná-la sobre o tema da guerra. Einstein aceitou a proposta e decidiu dirigir suas inquietações a Sigmund Freud, como ele um grande desbravador do desconhecido –no caso, a mente humana.

Em recente e boa coluna na Folha, Cida Bento rememorou o episódio. Vou retomá-lo aqui, pois é rico em facetas e merece ser revisitado. Além do mais, eu gostaria de ligá-lo aos chimpanzés.

Tanque israelense manobra durante operação no norte da Faixa de Gaza - Ronen Zvulun - 8.nov.23/Reuters

Em 1932, o mundo vivia a ressaca da Primeira Guerra e as apreensões quanto às perspectivas de um novo conflito. Em sua carta, Einstein (como Freud, filho de família judaica) aventou possíveis soluções racionais para preservar a paz, como a organização de um hipotético tribunal de nações ao qual todos se submeteriam. Ele mesmo, contudo, tratou de apontar a impossibilidade de que tais arranjos institucionais pudessem funcionar ao menos àquela altura.

A questão residia justamente no fato de a razão pacifista ser sempre derrotada, ainda que a guerra levasse à própria destruição dos envolvidos.

O grande físico indaga, então, ao doutor Freud por que os homens, afinal, se deixam levar por um entusiasmo extremado, a ponto de entrar em combate e sacrificar suas vidas. Ele mesmo adianta uma resposta, já um tanto freudiana: "É porque o homem encerra dentro de si um desejo de ódio e destruição". Como contê-lo? Eis a grande interrogação.

Em sua resposta, depois de abordar as diversas facetas dos questionamentos de Einstein, Freud detém-se nesse desejo destrutivo de fundo, abordando o pertencimento da humanidade ao reino da natureza e os embates provocados por seus impulsos ancestrais. Não cabe aqui discutir as duas famosas pulsões associadas, uma, a Eros e à vida, e outra à destruição e à morte. Estariam sempre se combinando, na visão freudiana, no comportamento humano. Mas é a segunda, por certo, que nos impulsiona aos conflitos fatais.

Quando os homens são incitados à guerra surge uma série de motivos, nobres ou baixos, mas Freud diz que entre eles sempre se encontra "o prazer da agressão e da destruição". "A morte do inimigo satisfaz a uma tendência instintiva", afirma.

E aqui vamos aos chimpanzés. Recente reportagem da Reuters nos diz que pesquisadores documentaram o uso tático de terrenos elevados em situações de guerra ao observarem diariamente duas comunidades vizinhas de chimpanzés. O estudo, de acordo com os pesquisadores, registra pela primeira vez o uso dessa estratégia militar humana pelos parentes vivos mais próximos de nossa espécie.

Ora, fã de vídeos do arqueólogo Walter Neves que sou, recordei-me de uma de suas aulas sobre evolução em que menciona a existência de um ancestral comum ao sapiens e chimpanzés –dois ramos que evoluíram separadamente, diga-se, talvez por 7,5 milhões de anos. Seria esse mesmo ancestral, quem sabe, o "culpado" pelas características que temos em comum, entre elas a agressividade. "Não existe uma sociedade mais cruel que a dos chimpanzés", diz Neves, que menciona entre outros traços o "alto nível de infanticídio".

Bem, talvez mais cruel não exista, mas tão cruel parece que conhecemos uma. A vantagem que nos anima é a possibilidade, ainda que reiteradamente frustrada, de usarmos a favor da paz a evolução cultural e a pulsão de Eros. Não para eliminar totalmente as tendências agressivas humanas, como observa Freud, mas ao menos para tentar "desviá-las, de modo que já não encontrem a sua expressão na guerra".

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